O que está acontecendo com Rodrigo Gurgel?

12, jan, 2024 | Artigos | 3 Comentários

 Por Fábio Gonçalves

 

O professor Rodrigo Gurgel, que, assinalo, sempre me tratou com máxima cordialidade e inclusive me concedeu, gentilmente, as aulas de um dos seus cursos – o que muito agradeço –, o professor, continuo, tem feito algumas afirmações no mínimo estranhas.

Escrevo, pois, não para confrontar, mas para tentar esclarecer.

Por exemplo, disse ele que é completamente dispensável a formação no chamado trivium para o estudo da filosofia. Respondendo a um aluno, questionou retoricamente: quem decretou que é preciso seguir essa ordem?

Ora, segundo o professor Olavo de Carvalho, foi o próprio Deus – ou, como dizia o saudoso mestre, a própria estrutura do real.

Na sua teoria dos quatro discursos, que dentre outras coisas vale por uma gnosiologia, Olavo diz que o conhecimento começa na apreensão poética do mundo, do mundo como possibilidade.

Implica que os estudos – e isso Olavo repetia como um mantra – devam se iniciar pela poesia, pela literatura. Ora, e o que é a gramática, primeira etapa do trivium, senão um longo e profundo estudo literário?

Dionísio, o Trácio, primeiro dos grandes gramáticos helenistas, definia gramática como “a arte de compreender os poetas”.

Em todo o mundo ocidental, da Grécia Clássica até pelo menos as primeiras décadas do século passado, vigorou o princípio de que a formação humana começa pela linguagem e de que esta se desenvolve iniciando a criança e o adolescente na grande literatura.

Mas, claro, para tornar o aluno capaz de ler, compreender e apreciar o Camões, o Shakespeare ou o Virgílio será preciso ensinar-lhe a estrutura da língua – estrutura morfológica e sintática – e apurar-lhe o senso estético, mostrando-lhe sistematicamente o que é belo e o que é feio, o que é harmonioso e o que é dissonante.

É isso o que se faz na fase inicial do trivium.

Na sequência, a fase retórica, o aluno aprende a usar a linguagem com finalidade persuasiva, para, finalmente, na fase lógica, a última das três, ser capaz de usar a linguagem para investigar cientifica ou filosoficamente um dado da realidade – exatamente o que fazia Platão nos Diálogos.

Ora, é óbvio que há aí uma hierarquia de dificuldades e que saltar do primeiro para o último degrau é até possível mas não aconselhável.

Mas é justamente isso o que o professor Gurgel aconselhou a um seu seguidor: que ignore completamente essa sabedoria antiquíssima, que dê de ombros a esse conhecimento brilhantemente esclarecido pelo professor Olavo, e vá, direto e reto, do semianalfabetismo ao Platão.

Repito: para um homem de grande cultura, para um consagrado crítico literário, a afirmação não é outra coisa senão estranha.

Torço para que tenha sido um lapso ou a intervenção desastrosa da equipe de marketing.

Para quem quiser conferir essas informações, sugiro as seguintes leituras:

História da Educação na Antiguidade, Henri-Irénée Marrou
História da Educação na Antiguidade Cristã, Ruy Afonso da Costa Nunes
História da Educação na Idade Média, Ruy Afonso da Costa Nunes
História da Educação no Renascimento, Ruy Afonso da Costa Nunes
História da Educação no Século XVII, Ruy Afonso da Costa Nunes
Paideia, Wener Jaeger
The Envy of Angels, Stephen Jaeger
Rita Copeland, Medieval Grammar and Rhetoric
Aristóteles em Nova Perspectiva, Olavo de Carvalho

 
 
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Detalhes do autor

Fábio Gonçalves

Fábio Gonçalves é escritor e professor de linguagens. É autor da novela “Um Milagre em Paraisópolis”, do livro de contos “Um Retrato Doente” e do romance inédito “Peroba”, vencedor do Prêmio Literário 200 Anos da Independência. Também publicou o livro didático “Domine a Arte de Ler”, dedicado ao ensino da língua portuguesa. Em 2022, compôs o júri do Prêmio Fundação Biblioteca Nacional. É pai de dois meninos e vive em Sorocaba com eles e sua esposa, a Ana.