A sabedoria do romancista
Por Alexandre Soares Silva
Qual a importância da sabedoria num romance? É possível que um tolo completo seja um grande romancista? Não digo na vida pessoal, porque todos sabemos que é possível e até frequente, e que Tolstói agiu como um tolo a vida inteira; e na verdade se torcerem meu braço não sou capaz de dizer um grande romancista que agisse como um sábio. PG Wodehouse, talvez, cuja inocência o preservava das grandes tolices? Mas a pergunta talvez seja, é possível que um romance seja grande se ele exprime uma visão tola da vida? Assim feita, a pergunta parece se responder a si mesma, até com um dã: dã, não, a pergunta responde; mas é verdade?
Por mais que a concepção de vida que o autor quer defender seja tola, não pode ser que ele observe o comportamento humano tão bem, que a sua capacidade de observação seja uma sabedoria em si mesma, uma espécie de sabedoria maior que o simples acúmulo de noções sábias, e contradiga as suas intenções tolas? Me parece que sim, que é óbvio que sim, e que um escritor deveria querer mais aumentar a sua capacidade de observação e a sua perspicácia psicológica (aliás, bom nome de poodle) do que ficar se metendo com reles idéias.
E tudo isso é verdade, se pensamos no romancista abstrato. Que viva como um tolo, e que escreva, quase contra a vontade, como um sábio. Mas no caso do romancista concreto há um problema: esse homem, se tiver noções tolas, vai escrever menos, e menos bem. Mesmo com toda a sua sabedoria observacional e psicológica, as consequências práticas das suas noções tolas e dos seus atos tolos se agarrarão nas suas pernas como macacos que entrassem pela janela e o mordessem, como vizinhos que ouvissem a discografia completa de um pagodeiro de alegria ou tristeza infectas, como uma velha desgrenhada que ficasse batendo na porta e uivando e quebrando vasos e urinando no hall. E o resultado é que mesmo os seus livros sofreriam, porque ele seria o tempo todo distraído pelas consequências da sua tolice. Atarantado com os inimigos que fez à toa, a amante que ameaçou cortar os pulsos, ou as dívidas sendo cobradas na forma de telefonemas frenéticos no celular, ele escreveria menos e com menos energia.
Pode ser que ainda fosse um grande escritor, muitos desgraçados foram; vejam Camilo; mas é concebível que não seria tão grande quanto poderia ter sido, se tivesse sido deixado um pouco mais em paz.
Um Camilo feliz, escrevendo até os noventa anos – imaginemos isso.
A sabedoria, para um romancista, é só a melhor maneira de não ser interrompido no trabalho.
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Detalhes do autor
Alexandre Soares Silva
Alexandre Soares Silva nasceu em 1968. Publicou três romances, A Coisa Não-Deus, Morte e Vida Celestina e A Alma da Festa, além de uma coletânea de ensaios, A Humanidade é uma Gorda Dançando em um Banquinho. Trabalha como roteirista e vive em São Paulo.
O comentário do Piero fez vários textos do Alexandre ecoarem na minha cabeça ao mesmo tempo. Uma experiência estética sublime, sem dúvida. Fico me perguntando se o Alexandre elabora os textos propositalmente de modo a atrair as respostas mais estúpidas de gente lesada.
Só um tolinho para esperar ‘sabedoria’ de escritores. Para isso existe livros sagrados, autoajuda e provérbios de vovós. Do escritor só esperamos uma boa narrativa. Nada mais. Nem acredito que gastei tempo com um texto tão tolo!