Afinal, para que servem as ciências humanas?
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Para nada. Isso mesmo. Sem pegadinha, sem truque, sem “mas”. Você pode morrer perfeitamente bem sem ter lido Platão, sem ter apreciado os mais intricados argumentos da história da Filosofia, sem ter lido Eurípedes, sem ter se encantado com Shakespeare. A ausência dessas coisas não diminuirá suas capacidades como bom motorista, eletricista ou até mesmo engenheiro ou arquiteto. Nada disso vai te ajudar a ler adequadamente o letreiro do ônibus que espera no ponto ou a saber se foi enganado na hora do troco na padaria.
É muito comum que professores de ensino regular como eu sejam bombardeados com perguntas do tipo “mas para que aprender isso?”, “qual a função disso?”, “onde vou aplicar isso?” etc. Oferecer a resposta que ofereço aqui é o caminho das pedras. Normalmente adota-se o caminho mais curto e responde-se coisas como “no vestibular”, “no ENEM”, “num eventual curso universitário futuro” etc. Acaba-se por virar o feitiço contra o feiticeiro, mas também por se deixar ser pego pela mesma armadilha. No frigir dos ovos, o grosso do que se aprende nas artes e nas humanidades não tem serventia prática alguma. Interessa mais se perguntar de onde veio todo esse utilitarismo rasteiro que grassa livre, leve e solto entre o senso comum.
Não exigimos que peixes escalem árvores, por que diabos exigimos das humanidades que “tenham utilidade” – a despeito das utilidades marginais que podem oferecer, como treino leitor, escritor, argumentador etc.? O mundo moderno só consegue atribuir valor ao que tem utilidade prática imediata, ao mesmo tempo que luta por manter as coisas que realmente importam e não tem utilidade prática alguma, como o amor consciente que só se observa na espécie humana, o simples ato de ouvir uma música, jogar com os amigos ou bater papo com alguma pessoa querida. Como afirmou Sir Roger Scruton em seu Por que a Beleza Importa?, ao refletirmos sobre isso acabamos por concluir que as coisas mais úteis são aquelas que, por critérios financeiros, mercadológicos ou utilitários, são exemplos definidores de inutilidade.
O estudo aprofundado das artes, da cultura clássica e das humanidades em geral serve para… aprofundamento nas artes, na cultura clássica e nas humanidades. É fim em si mesmo e não fim para alguma outra coisa (inclusive “esclarecimento” e “emancipação” para “fazer a revolução”), como dizia Kant a respeito dos seres humanos. Claro que se espera que alimentar o espírito com o repertório cultural do que a humanidade já produziu de melhor, você mesmo melhore – do contrário o aproveitamento dos estudos não foi tão bom quando deveria ser – e que esse processo propicie a fruição intelectual que aqueles que realizam esse tipo de empreitada sabem que é possível e desejável. Isso é o mais próximo que podemos chegar da “finalidade” do estudo das ciências humanas – o problema é “convencer” as pessoas disso na era do utilitarismo rastaquera.
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Detalhes do autor
André Assi Barreto
André Assi Barreto é professor de Filosofia e História nas redes pública e privada de São Paulo. Mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), com dissertação sobre a “Crítica da Razão Pura” de Kant. Também atua como editor, tradutor, palestrante e revisor. É autor do livro “Entre a Ordem e o Caos: Compreendendo Jordan Peterson”. É host do podcast OliverTalk.
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