O Gaúcho do Guamirim (conto)
Por Alexandre Müller Ribeiro
O gaúcho do guamirim, bem na ponta do guamirim, na última folhinha da copa, viviva solito con sus recuerdos, con sus recuerdos ele só. Mateava pela manhã, sentado na beira do fogo, na beira do fogo sonhava e dedilhava uma milonga junto à brasa do fogão. O fogão era um que pertencera ao avô, ainda mais velho que o velho, o fogão do avô fumaceava um pouco mas aquecia bem, olha só se não aquecia. O gaúcho do guamirim tinha um facão desse tamanho, o facão no começo o livrava do sabiá, que tinha um bico desgraçado, o tal sabiá. Com o tempo o bicho ficou amigo, era amigo do gaúcho do guamirim, aí pousava no galho ao lado e abria o bico, a melodia enchia tudo, o gaúcho do guamirim calava com a mão a guitarra, só pra poder ouvir. Ficava faceiro escutando, mas quando o sabiá abria as asas, ele se aborrecia um pouco, com a partida do sabiá. Mas não é nada, porqueira, dizia, colocava a cuia no tripé, pegava do violão e voltava a dedilhar. Tinha vezes que cantava, rimando a própria vida de amores e peleias, e de muito trabalho duro, que trabalhou duro no campo, parece que lá pro Alegrete. Não era maior que um dedo, o gaúcho do guamirim. No inverno não tomava lá muito banho, mas sempre, antes de deitar, lavava os pés numa tampa de garrafa, numa tampinha pequena. Não era maior que um dedo, mas ninguém sabia tocar o gado como ele soubera tocar, e nunca se viu domador com mais perícia e denodo, domou cada bicho brabo, porque ele era brabo também, o gaúcho do guamirim, que morava na última folha, lá em cima, na copa do guamirim. No sossego em que vivia, entrado já em anos, lembrava duma peleia, de quando um tenente, na vila, andava arrotando grandeza. O tenente bebeu demais, apontou pro chão, e riu do tamanho do gaúcho do guamirim, que bem na hora puxou da faca, pouco menor que um alfinete, mas pobre do tenente, que levou estocada no bucho, caiu na bodega ali mesmo, morto e sem vida no chão da bodega. Que coisa que era a adaga do gaúcho do guamirim. Com as chinas nunca se aquerenciou, a não ser com uma com quem chegou a juntar os trapinhos. Mas a mulher era danada e quis se achar grande demais. Ele lhe deu um tapa com as costas da mão, mandou a danada arrumar os mijados, que tomou em seguida seu rumo. Tinha muita lembrança na alma o gaúcho do guamirim, que era já entrado em anos, e às vezes lembrança demais, sejam más ou até boas, apertam o peito do taura, boas ou más que elas sejam. O gaúcho do guamirim descia e ia se entreter na bodega, para dar folga a tanta lembrança, das que tinha na cabeça. Chegando ia pelos cantinhos, pra que ninguém pisasse nele, que não tinha o tamanho dum dedo, mas não era bichinho nenhum que alguém pudesse pisar, era homem feito e entrado em anos, e ademais tinha seus brios. Trepava pelo balcão, o gaúcho do guamirim, ia num passo tranquilo pelo tampo de tábua, arrastando as esporas, batendo a sola da bota no pau do balcão, e ao chegar no bodegueiro, dizia com voz forte e amiga: buenas, compadre. O bodegueiro sorria largo: sê bem-vindo, compadrito, a casa é sua, e lhe apertava a mão com um pauzinho de fósforo. O gaúcho do guamirim se sentava em cima dumas rapaduras e pedia um liso de cana, cana pura pra beber de vagarzinho, charlar tranquilito, perguntar como ia o povo, falar de como andava a vida, a vida que nunca é fácil mas que é boa. O bodegueiro falava muito, contava o que sabia e o que não sabia, se entretinha e nem via o tempo passar, pois gostava de charlar que era uma barbaridade, com o gaúcho do guamirim.
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Detalhes do autor
Alexandre Müller Ribeiro
Nasceu em Porto Alegre em 1971. Mudou-se para Santa Rosa em 2006, onde morou até 2007. Vive hoje em São Marcos, na Serra Gaúcha, com a esposa. Como funcionário público, exerce a função de fiscal. Além disso, trabalha como revisor e tradutor.