O Filistinismo Conservador
Por Renan Martins dos Santos
“Que adianta ler Santo Tomás e não saber cozinhar arroz soltinho, e não acordar cedo, e não pagar os boletos, etc. (insira aqui qualquer outra dessas nobres atividades; pode substituir S. Tomás também por ler Dante, Platão, Virgílio, etc.)”.
Confesso que nunca pude absorver esse – chamemos assim – argumento tão difundido entre conservadores brasileiros. Olha, acompanho o debate conservador nos EUA há quase 20 anos e nunca, em lugar algum, vi qualquer idiota discutir esse tipo de bobagem.
Creio que já contei da vez em que estive num congresso de homeschooling católico no Kansas e conheci um casal com 9 filhos, 4 deles religiosos, nos moldes da família Martin. Quando lhes perguntei qual fora o segredo pedagógico para tamanho sucesso, o pai (um ex-protestante) limitou-se a responder, com um largo sorriso: “seguimos a filosofia de S. Tomás”.
Meu amigo, se você não consegue acordar cedo, nem pagar os boletos, nem cozinhar um arroz bem soltinho, ninguém melhor para ajudá-lo do que a Suma Teológica. É pelo fato mesmo de sofrer com as circunstâncias da vida que você deveria ler Platão, Dante, Santo Tomás.
Aposto que nunca pensou nisso.
É que a idéia que você faz do conhecimento é rasteira, estúpida, filistina, digna de um deputadinho qualquer de quinta categoria. Ademais, se você absorve e compreende o que S. Tomás está querendo dizer, isso vale mais que boletos pagos, vale mais que arroz soltinho. Você será capaz de fazer essas coisas com toda autoridade e, ao mesmo tempo, sem lhes dar a mais mínima importância – ou a pouca importância devida. Serão apenas ornamentos menores, quase insignificantes, em uma vasta catedral iluminada.
Aristóteles explica a questão com aquela velha anedota de Tales. Conta-se que um dia (talvez já cansado de ouvir os idiotas do Instagram em Mileto) o sábio lançou mão de todo o seu conhecimento astrológico e previu com cálculos minuciosos que, no inverno seguinte, haveria uma enorme safra de azeitonas na região. Assim, ele comprou a baixíssimo custo todas as prensas de azeite das redondezas e, chegada a safra como havia previsto, desfrutou de enormes ganhos em pouquíssimo tempo.
Com isso, Tales provava, no fundo, que o verdadeiro conhecimento é não apenas esclarecedor, mas eficaz. Afinal de contas, “nada do que foi feito, foi feito sem ele” — sem o Verbo, o Logos, a Sabedoria profunda em todas as coisas. Aquela máxima de Francis Bacon está certíssima — embora não pelos motivos que ele supunha: conhecimento é, sim, poder.
Já do menos, não se pode tirar o mais. Por mais boletos que pague, eles jamais farão de você um sábio. No entanto, o caminho inverso é possível: a compreensão de certos princípios mais altos, de certas verdades que se manifestam e se cumprem em diversas realidades humanas, é capaz de iluminar até a mais reles das atividades. É óbvio, portanto, que o verdadeiro sábio – não falo do filósofo de cátedra, certamente – tem, sim, uma imensa vantagem vital sobre o sujeito metido em seu shudrismo. Ser ignorante é uma fatalidade humana, não um motivo de orgulho.
O problema é que, ao falarmos de vida intelectual, o filistino conservador pensa no conselheiro Acácio de pincenê, emitindo seus juízos sobre o universo. Não imagina um homem sólido, íntegro, veraz, mas a caricatura moderna do brâmane. Não imagina um Sócrates, um S. Tomás, um S. Boaventura, mas um professor da USP.
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Detalhes do autor
Renan Martins dos Santos
Editor na Editora Concreta e Minha Biblioteca Católica, dois empreendimentos nascidos das inúmeras sementes plantadas pelo professor Olavo de Carvalho no castigado solo brasileiro. Que ele possa, agora na presença do Senhor, da Virgem Maria e do seu amado Padre Pio de Pietrelcina, seguir intercedendo pelo nosso futuro.
Parabéns. Ótima lembrança!
Ótimo texto! Parabéns!
Seja lá quem ele for, o sujeito que falou do “arroz soltinho” sequer foi capaz de conceber um tomista japonês, a quem decerto desagradá a soltura do arroz, e, por isso mesmo, jamais se interessará em fazer um, novamente, “arroz soltinho”. Isso já é o bastante para ignorá-lo. Agora, a sério, acho que o pessoal andou tomando o “arroz com feijão” figurado pelo literal. O pior é que a coisa tomou outros rumos e já está no boleto…