A Mesquinharia da Literatura Brasileira

8, mar, 2022 | Artigos | 2 Comentários

Por Alexandre Soares Silva

Tem algo mesquinho na literatura brasileira. Passo perto de uma banca, digamos, e vejo o dono da banca, ou digamos que passo por um instrutor de auto-escola, ou um manobrista que seja, e imediatamente assumo coisas sobre como essa pessoa é, como é a sua mente. E qualquer escritor brasileiro que vá escrever sobre o assunto vai escrever algo muito próximo do que imaginei. A mim ocorre, e pode ser que ocorra aos escritores brasileiros, que isso é talvez uma falta de generosidade e uma falta de imaginação, que essa pessoa pode ser muito diferente disso, e melhor, e mais ampla.
 
 
Mas o escritor brasileiro encolhe os ombros e vai lá e escreve um livro inteiro com essa suposição inicial, na qual o dono da banca não tem nenhuma riqueza interior muito surpreendente – aliás, uma suposição provavelmente verdadeira, que sei eu. E a literatura brasileira inteira são retratos assim com uma falta de generosidade assim. De pessoas que o romancista concebe pequenas e estreitas, e que se tiverem alguma riqueza interior vai ser uns dez reais amassados na alma.
 
A literatura brasileira tem um gosto de condescendência atroz. A nota que a alma do escritor brasileiro vibra com mais frequência dentro de si não é nem pena mas é peninha. Sabe o chacra da peninha? Não é o do coração, é o da peninha. Fica entre o coração e o mamilo esquerdo. Pois o escritor brasileiro sente uma peninha passageira por uma pessoa que presume se chamar Dona Zica ou Givanildo ou Dragomir, inventa uns sofrimentozinhos que essa gente coitada deve sentir (presumimos todos), dá ao personagem um desejo meio grotesco que lhe será negado voluptuosamente no decurso da história (usar gravata um dia, visitar a Paraíba, comprar dentes novos, dar uma caixa de chocolates trufados para uma atendente de loja esquálida), um desejo sentido pelo personagem com fixação completamente imbecil e posto na história para simbolizar alguma coisa pura e poética da qual o personagem é coitado demais para ter consciência mas o romancista não, é o rubedo, a individuação junguiana, ou o que quer que seja o correspondente a essas coisas para um marxista, o máximo a que esse coitado do personagem pode almejar dentro das possibilidades que o capitalismo exploratório oferece, compreende?
 
Digo que um americano vê um marinheiro e imagina que pode haver alguma grandiosidade ali, mas um brasileiro só imagina que ele quer chegar na favela um dia dirigindo seu recém-comprado Escort cor de crème brûlée para impressionar a Djanira e talvez o seu Dionísio do jogo do bicho. A literatura brasileira é isso. Não me venham com exceções. Ou me venham, podem me vir, me venham, até agradeço.
 

Assine a newsletter do escritor Alexandre Soares Silva e receba crônicas como esta todos os domingos no seu e-mail: 

Inscreva-se em nosso canal do Telegram: https://t.me/editoradanubio 

Artigos recentes

Viva a Morte da Literatura!

O professor Olavo confiou em Gurgel para, nas palavras de Machado, promover os estímulos, guiar os estreantes, corrigir os talentos feitos. Gurgel traiu a confiança do professor Olavo, abandonou de todo a crítica literária, não foi capaz de perceber a existência de vocações verdadeiras e talentos genuínos ao seu redor precisando de estímulo, guiamento, correção – muitos desses, os próprios alunos do professor Olavo.

Caixa de Bombons (conto)

Conto de Samuel Freitas — “Fica difícil chegar às Olimpíadas e ganhar a medalha de ouro se não tenho como manter meu treinamento aqui em casa. Falta-me bolinhas brancas, uma grande mesa verde, um penico prateado. Tentei por outra coisa no lugar, mas não me deixam ou não dá lá muito certo. As bolinhas de outras cores que tirei da betoneira do caminhãozinho não pulam como deveriam”.

Cineastas Assinam Manifesto Contra a Cultura Woke

Artistas lançam manifesto contra a cultura woke e pela liberdade das artes. Grupo afirma que o povo nunca esteve tão distante das artes e que a cultura brasileira vive seu ápice de censura.

Categorias

O Homem que Lia os Seus Próprios Pensamentos

Detalhes do autor

Alexandre Soares Silva

Alexandre Soares Silva

Alexandre Soares Silva nasceu em 1968. Publicou três romances, A Coisa Não-DeusMorte e Vida Celestina e A Alma da Festa, além de uma coletânea de ensaios, A Humanidade é uma Gorda Dançando em um Banquinho. Trabalha como roteirista e vive em São Paulo.