A Mesquinharia da Literatura Brasileira
Por Alexandre Soares Silva
Tem algo mesquinho na literatura brasileira. Passo perto de uma banca, digamos, e vejo o dono da banca, ou digamos que passo por um instrutor de auto-escola, ou um manobrista que seja, e imediatamente assumo coisas sobre como essa pessoa é, como é a sua mente. E qualquer escritor brasileiro que vá escrever sobre o assunto vai escrever algo muito próximo do que imaginei. A mim ocorre, e pode ser que ocorra aos escritores brasileiros, que isso é talvez uma falta de generosidade e uma falta de imaginação, que essa pessoa pode ser muito diferente disso, e melhor, e mais ampla.
Mas o escritor brasileiro encolhe os ombros e vai lá e escreve um livro inteiro com essa suposição inicial, na qual o dono da banca não tem nenhuma riqueza interior muito surpreendente – aliás, uma suposição provavelmente verdadeira, que sei eu. E a literatura brasileira inteira são retratos assim com uma falta de generosidade assim. De pessoas que o romancista concebe pequenas e estreitas, e que se tiverem alguma riqueza interior vai ser uns dez reais amassados na alma.
A literatura brasileira tem um gosto de condescendência atroz. A nota que a alma do escritor brasileiro vibra com mais frequência dentro de si não é nem pena mas é peninha. Sabe o chacra da peninha? Não é o do coração, é o da peninha. Fica entre o coração e o mamilo esquerdo. Pois o escritor brasileiro sente uma peninha passageira por uma pessoa que presume se chamar Dona Zica ou Givanildo ou Dragomir, inventa uns sofrimentozinhos que essa gente coitada deve sentir (presumimos todos), dá ao personagem um desejo meio grotesco que lhe será negado voluptuosamente no decurso da história (usar gravata um dia, visitar a Paraíba, comprar dentes novos, dar uma caixa de chocolates trufados para uma atendente de loja esquálida), um desejo sentido pelo personagem com fixação completamente imbecil e posto na história para simbolizar alguma coisa pura e poética da qual o personagem é coitado demais para ter consciência mas o romancista não, é o rubedo, a individuação junguiana, ou o que quer que seja o correspondente a essas coisas para um marxista, o máximo a que esse coitado do personagem pode almejar dentro das possibilidades que o capitalismo exploratório oferece, compreende?
Digo que um americano vê um marinheiro e imagina que pode haver alguma grandiosidade ali, mas um brasileiro só imagina que ele quer chegar na favela um dia dirigindo seu recém-comprado Escort cor de crème brûlée para impressionar a Djanira e talvez o seu Dionísio do jogo do bicho. A literatura brasileira é isso. Não me venham com exceções. Ou me venham, podem me vir, me venham, até agradeço.
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Detalhes do autor
Alexandre Soares Silva
Alexandre Soares Silva nasceu em 1968. Publicou três romances, A Coisa Não-Deus, Morte e Vida Celestina e A Alma da Festa, além de uma coletânea de ensaios, A Humanidade é uma Gorda Dançando em um Banquinho. Trabalha como roteirista e vive em São Paulo.
Concordo. Creio que a única exceção seja o Jorge Amado. Seus personagens não são caricatos como os de Machado de Assis e de Graciliano Ramos, por exemplo. Pra ser honesto, acho o Jorge Amado o único escritor do século XX capaz de dialogar com Homero, Dante, Shakespeare e Cervantes.
O José Geraldo Vieira talvez seja uma exceção, talvez. Embora muitas das personagens que povoam sua ficção não são brasileiras, mas portuguesas, francesas, inglesas e alemãs. Ao menos em seus livros, quando os leio, eu sinto algo daquela grandeza de alma que faz falta em boa parte de nossos escritores.