Ego & Alma: uma entrevista com o Dr. John Carroll
O Dr. John Carroll, nascido em 1944, é professor emérito da La Trobe University. Graduou-se em matemática, economia e sociologia. Sua obra foca na cultura e no seu papel crucial na busca do ser humano por sentido.
Entrevistador: O senhor está aqui para falar sobre “Ego & Alma”, o seu novo livro.
John Carroll: É uma versão revisada de um livro lançado há dez anos. Há três novos capítulos. E uma boa revisão do restante do material, dado que se passaram dez anos desde então.
O livro contém cinco teses que permeiam o texto por inteiro. Eu mudei uma delas. O livro trata da questão de que nós, seres humanos, somos criaturas que buscam sentido. A não ser que tenhamos um sentimento sólido de que existe um propósito para estarmos aqui a pergunta “o que eu devo fazer com a minha vida?” é simplesmente absurda. Também nos vemos diante da questão, que me parece ser parte da natureza humana, “O que acontecerá comigo quando eu morrer? Será a morte somente decomposição da carne?”
O mais importante para uma vida plena de satisfação está na resposta à questão do sentido. Este livro é sobre como as pessoas de hoje em dia na sua rotina, no seu trabalho, no esporte e nas relações familiares tentam encontrar algum significado mais profundo para as suas vidas. Isto acontece porque, de certo modo, vivemos num mundo pós-religioso.
Não vivemos mais num mundo, exceto por uma minoria, que encontra sentido na doutrina cristã e acredita que Deus nos pôs aqui por algum motivo determinado.
Digo mais: eu acredito que mesmo entre os cristãos praticantes, ou entre os praticantes de quaisquer outras religiões, existe um forte senso de dúvida e incerteza acerca das questões fundamentais. Por isso eu argumento no livro que quase tudo o que fazemos em nossas vidas cotidianas são tentativas de achar um significado e um sentido.
Entrevistador: Então, o que há nos humanos que nos diferencia? Por que fazemos estas perguntas?
John Carroll: Não há resposta para isso. Acredito que seja parte da nossa constituição. É assim e pronto. Assim como eu penso que os seres humanos nascem sabendo uma lei moral, também vejo que há uma porção de proibições que você encontra em todas as sociedades humanas. Por exemplo: “não matarás”, “protegerás os inocentes”…ou então coisas como a admiração pela coragem e o desprezo pela covardia, ou a obrigação moral de nunca trair um voto de confiança, e etc.
Creio que no fim das contas tudo o que podemos afirmar é que do mesmo modo que nascemos com duas pernas e dois braços nascemos com um senso inato de moralidade, a não ser que haja algo de errado conosco. À pequena porção de indivíduos que parecem não ter essa noção chamamos “psicopatas”. De certa maneira estamos sinalizando que eles não são realmente humanos em sentido exato, coisa com que eu concordo.
Também, e este é o meu assunto principal no livro, nós somos criaturas que anseiam por sentido. Não somos apenas animais condicionados que lutam pela sobrevivência e pela reprodução. Há algo mais em como conduzimos nossas vidas. E, para usar uma das formas de expressão do livro, creio que uma alma incapaz de encontrar sentido enlouquece.
Se falhamos na busca de sentido nos tornamos neuróticos, suicidas e deprimidos. Estas patologias, tão familiares hoje em dia, dominam os indivíduos que não conseguem achar significado para as suas vidas.
As pessoas em geral não estão recebendo respostas para as questões fundamentais. Não as recebem de padres e pastores pela simples razão de que não frequentam as igrejas.
Entrevistador: Os cinco caminhos para encontrar sentido?
John Carroll: Bem, há cinco teses que permeiam o livro. Para dar um exemplo, eu falo sobre esporte. Eu analiso o esporte, que tanto sugere nossa herança dos gregos antigos. O esporte se tornou muito importante nas sociedades ocidentais. Os Jogos Olímpicos, hoje, é de longe o evento global mais bem sucedido. É aquele que une as nações, que levanta rios de dinheiro e mobiliza os espectadores. Nenhuma outra organização, nem a ONU ou qualquer outra atrai uma fração deste interesse.
Ora, eu creio que subjacente a este apego ao esporte está o conceito grego de religião atlética. A ideia que nas grandes performances esportivas, seja no futebol ou nos Jogos Olímpicos, muitos atletas, individualmente ou em equipe, estão se elevando acima de si mesmos. Estão se tornando algo para além de si mesmos. Há uma espécie de transcendência nisso.
Na beleza de uma performance esportiva grandiosa existe um significado maior. Pode soar irracional e absurdo mas há um sentimento de exultação e inspiração quando você toma parte da multidão. É estimulante. Parece que, de algum modo, deixamos de ser apenas aquele sujeito comum, tedioso e meio sem jeito que somos em nosso dia-a-dia.
Outras pessoas encontram este sentimento no trabalho ou entrando em contato com a natureza. Existem várias coisas que pessoas fazem da vida moderna onde se vê uma tentativa de se colocar como um indivíduo, como algo além de um ser que sente fome e quer ter filhos.
Entrevistador: Então o esporte é uma dessas teses nas quais o senhor foca?
John Carroll: Não, o esporte é o assunto de um dos capítulos sobre áreas da vida moderna. O trabalho é outro. Eu analiso as universidades, a alta cultura, os automóveis, os computadores… A democracia também é um tema muito importante no mundo moderno.
Já as teses, que estão presentes ao longo do livro, para dar um exemplo, uma delas é que na tradição ocidental buscamos um equilíbrio entre o ego e a alma. O ego, no sentido corriqueiro, é a nossa parte que gosta de obter sucesso, atrair mulheres bonitas ou homens bonitos, ganhar bastante dinheiro, vencer competições esportivas. Ele se torna inseguro se for criticado, fica preocupado se está acima do peso. É o nosso eu que busca os prazeres e as ambições mundanas.
A alma é a nossa parte metafísica, um fragmento da divindade, ou qualquer outra linguagem que você prefira usar. As tradições ocidentais se opõem ao budismo. No budismo, basicamente, o ideal é se livrar o máximo do ego para que sobressaia a fagulha divina do ser humano. No Ocidente, a meu ver, acreditamos num ego fortalecido e num contrapeso entre as duas partes humanas. E esta é uma das nossas marcas distintivas.
Então assim segue o livro ao longo dos capítulos, cada qual sobre um assunto, analisando esta noção de um ego fortalecido, e não inseguro, mas balanceado pela alma.
Entrevistador: E o senhor acredita que a forma ocidental de pensamento é a melhor forma?
John Carroll: Acho que é o nosso jeito. As culturas variam. Nascemos numa cultura, não há o que se fazer a respeito disso. Está nos genes, a sua cultura está nos genes. Então você está de fato pré-disposto, os ocidentais estão inclinados nessa direção. De fato, não acho que haja escolha. Se você nasceu no Ocidente, você nasceu no Ocidente.
Entrevistador: O senhor comentou que vem ocorrendo um afastamento da religião na procura por respostas sobre a vida…
John Carroll: A religiosidade formal vem declinando, é isso que vem acontecendo no Ocidente. Cada vez menos pessas vão à igreja. Na Austrália, se bem me lembro, é algo em torno de 7% da população o índice de pessoas que vão à igreja com frequência. É uma minoria bem pequena.
Então, salvo um contingente pequeno, as pessoas em geral não estão recebendo respostas para as questões fundamentais. Não as recebem de padres e pastores pela simples razão de que não frequentam as igrejas. Mas elas ainda precisam, nós todos ainda precisamos das respostas, então precisamos achar um outro modo de respondê-las. Estamos cambaleando no dia-a-dia, nas coisas que fazemos, nos esportes que praticamos, nas famílias que construímos. Estamos lutando para destrinçar camadas de significado no tecido de tudo o que fazemos.
Sempre retorna ao mesmo lugar: nascemos sedentos por significado, somos criaturas sedentas por significado. Se não o estamos encontrando nas igrejas, devemos buscar em outro lugar. A moralidade não é o problema, o sentido é. E isto é uma questão de cultura. É a cultura que provê as respostas para as questões fundamentais. É a cultura que provê as historias através das quais imaginamos como é uma boa vida. E é nessa área do sentido e não da moralidades onde o mundo ocidental está realmente em crise.
Entrevistador: O senhor acredita que o nível de tolerância e aceitação no mundo ocidental irá afetar o modo como as pessoas acham sentido para as suas vidas?
John Carroll: Somos cada vez mais tolerantes.
Entrevistador: Somos?
John Carroll: Sim. É uma grande conquista do Ocidente moderno a crença nos direitos humanos universais, de que todos os seres humanos são iguais, a despeito de sexo, raça ou religião. Isto é muito incomum na historia humana. A maior parte dos humanos sempre foi tribal, ou seja, favorecem os membros de sua tribo e não se importam por tratar os membros de outras tribos de forma injusta.
Então, isto é algo bem recente no Ocidente. Obviamente, todos esperamos que isto perdure. Proveio de tradições ocidentais muito sólidas e antigas. É, em parte, a crença cristã no amor ao próximo. No caso australiano está muito ligado à tradição inglesa da política baseada num bom-senso tranquilo e razoável, que desqualifica fanáticos de toda sorte. A Austrália se beneficiou do fato de que suas instituições são basicamente inglesas pois isto trouxe consigo um sistema democrático que busca dar a todo mundo um tratamento justo.
Acredito que isto seja importante hoje em dia, mas isto é mais um contexto no qual as pessoas então buscam significado para a vida. Isto, em si, não provê um sentido sólido. Mas oferece uma espécie de abertura mental para o diálogo e para a discussão. Se estamos inseguros sobre as coisas, sobre a política, sobre julgamentos éticos, podemos ir à público e discutir as questões, falar na rádio, escrever no jornal. Há uma discussão pública nas democracias, a qual, a meu ver, é útil na busca por sentido.
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