O Destino Concreto do Ideal Político
Por Ronaldo Schirmer
A política é o terreno da frustração das expectativas, o cemitério das falsas esperanças. Frequentemente os ideais que impulsionam as mudanças políticas, por mais brilhantes e nobres que pareçam, tornam-se vulgares e nocivos ao serem confrontados com a realidade do poder como ela é, despida de toda maquiagem ideológica.
No poente do século XIX, por exemplo, nossos compatriotas republicanos almejavam criar os Estados Unidos do Brasil, um país modelado à imagem e semelhança da potência do Norte. Posso até imaginar, lendo o Manifesto Republicano de 1870, as discussões internas dos intelectuais, alimentando sonhos, polindo os ideais, vislumbrando um novo país, livre e moderno. A certa altura, leio no manifesto:
“Somos da América e queremos ser americanos”.
Tal intento, acalentado com sinceridade em seus corações, resistiu até a queda forçada ao mundo da vida concreta, este velho moedor de teorias. Depararam-se, no Brasil de então, com uma configuração cultural, demográfica e política muito diferente da que permitira a fundação dos Estados Unidos da América.
O país real, para tomar a expressão de Machado de Assis, era composto de uma maioria analfabeta, de costumes difusamente ibéricos, predominantemente católica, simpática a Dom Pedro II e a nossa princesa Isabel. Já o país oficial era formado por oligarquias regionais nada patrióticas e uma elite urbana intoxicada pela última moda francesa da época: o positivismo comteano.
Não havia aqui a genialidade dos founding fathers, que culminou no heroísmo de um George Washington, mas a deslealdade de infaustos canalhas, que desaguou na covardia de um Deodoro da Fonseca. Mesmo no caso da Revolução Americana, sem dúvida um espantoso feito político, o sonho de independência foi manchado por uma sangrenta guerra civil no século posterior, o que acabou, em certa medida, frustrando diversas das suas expectativas políticas iniciais.
No Brasil, os ideais republicanos de 1889, erigidos sobre as mais luminosas utopias, desabaram no abismo dos conflitos institucionais, disputas de vaidade e corrupção generalizada que ainda hoje insistimos em chamar de república. Quanta decepção não há de ter sofrido o coração de um Ruy Barbosa…
O Cemitério das Falsas Esperanças
A frustração das expectativas no campo da política é experiência humana comum a todas as épocas e tem uma explicação relativamente simples: os ideais que orientam a militância política costumam sofrer seu teste inicial no campo da retórica e não da práxis.
Isso significa dizer que a maior parte do esforço é inicialmente despendida para tornar os ideais mais convincentes do que os da concorrência, em vez de colocá-los à prova quanto a sua capacidade de corresponder à realidade e de orientar as ações em direção aos fins prometidos.
Só quando os ideais são aplicados à miríade de situações específicas dos conflitos políticos cotidianos, é que se pode enxergar seus verdadeiros tons e nuances. Nesse ponto, valores como lealdade, integridade e honestidade intelectual são colocados em jogo. É comum que se instale a confusão generalizada quando os vilões de outrora se tornam aliados de momento e os heróis, cantados em verso e prosa, viram alvos da mais vergonhosa infâmia.
Que os ideais sejam medidos pelo seu poder de convencimento e não pelos resultados de sua aplicação prática é uma maldição da qual dificilmente se escapa em política. Afinal de contas, que valor político tem um ideal perfeitamente correspondente à realidade, mas incapaz de mover o número necessário de pessoas para sua aplicação?
O fenômeno da frustração política tem o seu efeito benéfico. Ele nos convida a uma revisão das premissas que antes embasavam nossos ideais, a um ajuste das nossas expectativas, enfim, a um amadurecimento filosófico. Mais do que isso, aponta para o fato de que a plenitude política do homem não será realizada neste mundo, mas no próximo que há de vir.
Portanto, que a nossa verdadeira esperança esteja no Reino de Deus e que nossa luta seja para obter a cidadania na Jerusalém celeste.
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Detalhes do autor
Ronaldo Schirmer
Nascido no Rio Grande do Sul em 1986, Ronaldo Schirmer é graduado em Publicidade e Propaganda.
Caríssimo Schirmer,
alegro-me por ter lido seu artigo; quanta falta faz essa lucidez na discussão política cotidiana do Brasil! À sua conclusão se chega por meio do silêncio e não na algazarra das fake news do WhatsApp. No entanto, minhas esperanças neste mundo começaram a se reerguer quando descobri o distributismo de Chesterton e Belloc. Enquanto não colocarmos o princípio da subsidiariedade em prática no campo económico também não teremos uma resposta devidamente equilibrada – e efetivamente sustentável- na política. Teria muito gosto em receber uma resposta.