É preciso comer para viver
Não peço outra coisa senão comer – disse um pobre-diabo. – Ainda que a vida não me seja doce, é preciso que eu tenha qualquer coisa para meter entre os dentes. Os cães comem e vivem. Aqueles que não têm a sorte de serem servidos por um dono alimentam-se, de qualquer forma, dos excelentes refugos bastantes à sua vida de cão. Comigo não se dá o mesmo. Tenho a infelicidade de pertencer à raça humana e de ser prendado de uma fronte sublime que deve fixar continuamente os astros. Falta-me o faro e há muita coisa difícil de engolir.
Ouvi falar que havia outrora uma Carne para os pobres e que os famintos tinham o recurso de comer Deus para viver eternamente. Em tempos muito antigos, os homens arrastavam-se, chorando as lágrimas do Paraíso, de uma capela de confissão a uma cripta de mártir e de um santuário miraculoso a uma basílica cheia de glória, por rotas apinhadas de peregrinos que mendigavam o Corpo do Salvador. Esse alimento único bastava a alguns bem-aventurados cuja debilidade tinha o poder de curar todas as debilidades e, às vezes, de ressuscitar os mortos. Tudo isso vai longe, terrivelmente longe…
Hoje o Burguês tomou o lugar de Jesus, e mesmo os porcos recuariam diante de seu corpo!
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Detalhes do autor
Léon Bloy
León Bloy (1846-1917) foi um romancista e ensaísta francês, grande prosador, considerado um dos maiores polemistas do seu tempo.
Entre suas principais obras estão os romances Le Désespére (1887) e La Femme Pauvre (1897); além de dezenas de ensaios sobre temas culturais e religiosos.