As Raízes Espirituais do Esquerdismo
A exaltação da razão, da vontade e do ideal utópico – a causa sagrada da revolução – tem como contrapartida o esquecimento ou mesmo a recusa e fuga da realidade. A evasão em direção à utopia e a supostos e imaginários mundos igualitários funda-se numa “recusa do ser”, num divórcio com o real. Porém, mais do que negar a realidade concreta, o homem de esquerda percebe-a como maleável, fluida, provisória, incompleta e porosa. Esta atitude irônica de desconfiança para com a realidade conduz a uma inquietude ontológica e psicológica que acaba por resultar em certo ativismo e frenesi proselitista e militante.
A filosofia de teor idealista e gnóstica que está presente na mentalidade esquerdista leva, fatalmente, à deformação e falsificação dos dados da situação concreta. O conhecimento objetivo da verdade e do real torna-se, assim, impossível. Mais ainda: quando o ideal se sobrepõe ao real, e o devir sonhado da utopia tem primazia em relação ao ser, está aberta a porta de entrada para todas as formas de dogmatismo e totalitarismo. Em nome da sociedade perfeita do futuro, tudo é válido e permitido. Em nome do partido e do regime comunista, tudo pode ser feito, pois é para o bem do povo e da classe trabalhadora. Os agentes e as forças que se opõem à concretização da causa sagrada revolucionária não passam de estorvos – burgueses, e fascistas – que, se necessário, serão calados, silenciados, censurados ou até eliminados fisicamente.
O pensador jacobino de esquerda é o próprio intelectual coletivo descrito por Antonio Gramsci, uma espécie de “poder oligárquico” constituído por militantes fanatizados, políticos radicais, profissionais da cultura, do poder midiático e tecnocrático que se julgam os depositários do espírito do progresso e da verdade. O intelectual coletivo forma um “clero secular”, uma seita pedagógica e moralista de ungidos que, diligentemente, fabricam os novos valores sociais e culturais, remodelando o senso comum. Uma opinião, uma ação ou aliança política é avaliada como justa ou injusta, útil ou danosa se está de acordo com os interesses e desejos do intelectual coletivo, se lhe proporciona alguma vantagem ou benefício. O intelectual coletivo estabelece as regras e os cânones da vida social e da competição política.
A sanha normativa e legiferante do esquerdismo e sua arrogante pretensão de superioridade intelectual e moral são explicadas, com agudeza, por Scruton:
[…] uma das premissas fundamentais do esquerdismo moderno: a premissa segundo a qual, em virtude de meu conhecimento e inteligência superiores, eu, o intelectual crítico, tenho o direito de legislar sobre você, o homem que meramente prejulga.
Nós, pobres mortais, apegados a preconceitos, superstições e vãs crendices, devemos obedecer às ordens e palavras oraculares dos “iniciados” que possuem uma visão privilegiada, um conhecimento mais elevado da história e vida social.
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Detalhes do autor
Cesar Ranquetat Jr
Graduado em Direito, Mestre em Ciências Sociais pela PUC-RS e Doutor em Antropologia Social pela UFRGS. No 1º semestre de 2018 realizou estágio de pós-doutorado na Universidade Pontifícia Comillas de Madri-Espanha, com a orientação do professor e jurista Miguel Ayuso.
Autor do livro Da Direita Moderna à Direita Tradicional.