A Sabedoria do Natal

20, dez, 2021 | Artigos | 1 Comentário

 
Por Kelvin Yogi
 

«As almas verídicas (porque há aparências, esboços de almas) nutrem-se dum único alimento — o absoluto.»

(Leonardo Coimbra)

«Se Cristo ressuscitou, nada mais importa. E se Cristo não ressuscitou, nada mais importa.»

(Jaroslav Pelikan)

«Consiste o progresso no regresso às origens: com a plena memória da viagem.»

(Agostinho da Silva)

 

 

Jesus Cristo, para alguns, não passa de um mito entre outros mitos; para outros, não menos irrefletidamente, qualquer coisa que termine em “ista” se lhe ajusta bem — idealista, moralista, socialista, o diabo.[1] São poucos hoje os que o julgam por quem ele realmente é, o que transcende, naturalmente, a sua biografia terrestre, encapsulada, de resto, nos relatos bíblicos registrados por aqueles que o reconheceram como o Salvador dos homens, o Christos anunciado de antemão a todos os povos dispersos sobre a superfície da terra.[2]

É natural que hoje estejamos habituados a julgar quase tudo com indiferença: se me contam que João bateu o carro, João bateu o carro, oras. De fato, sob a ótica corrente, na maior parte dos casos, a verdade não parece ser algo com o que devamos nos preocupar. E a vida moderna, toda ela voltada às coisas mais imediatas — comida, trabalho, relatos corriqueiros, etc. —, tende a nos afastar, a pouco e pouco, de nosso espírito inquiridor — plenamente presente, em contrapartida, em todas as criancinhas, que incrementam-no com o puro e verdadeiro desinteresse.

O mundo da criança é mistério imenso, e para ela os dias do porvir são, cada um deles, uma novidade. Já o nosso mundo, o mundo dos já moribundos, é um mundo completamente conhecido, onde as novidades, se as há, não são novas, pois pertencem à categoria das coisas ordinárias. Nem mesmo os cientistas de nossos dias aceitam o mistério; são inquiridores, mas não desinteressados. Bom, ao menos parece ser este o caso quando ouvimos o que dizem aqueles que têm algum prestígio midiático-popular. Eis a palavra de um deles:

 

«Todos os átomos no seu corpo vieram de uma estrela que explodiu. E os átomos de cada uma de suas mãos são, provavelmente, de estrelas diferentes. Em física, essa é realmente a coisa mais poética que eu sei: somos todos poeiras estelares. Não estaríamos aqui se algumas estrelas não tivessem explodido, porque os elementos — carbono, nitrogênio, oxigênio, ferro, em suma, tudo aquilo que importa à evolução e à vida — não foram criados no início dos tempos, mas nas fornalhas nucleares das estrelas; e a única via para que eles finalmente formassem os nossos corpos deve-se tão-só à gentileza das estrelas. Portanto, esqueçam Jesus, pois foram as estrelas que se sacrificaram por vocês.»[3]

 

Graças a Deus, as coisas nem sempre foram assim. Os cientistas de outrora jamais pronunciariam tal estupidez. Sabiam que a ciência — à época chamada filosofia natural com mais justiça — se tornava inútil para além de uma certa ordem de coisas. Tendo tudo um quê refratário à pura corporalidade (ao atomismo, diga-se por conveniência e por extensão),[4] sabiam que um outro quê era necessário como elemento originário e explicativo de tudo («e sem ele nada do que foi feito se fez»),[5] desta vez, um quê maximamente transcendente, capaz de escapar não só à categoria espaço-temporal, mas a todas as demais categorias possíveis — com uma única excessão: a do seu próprio Ser soberano.

É por isso que se há de fazer distinção entre cientistas e cientificistas:[6] os primeiros sabem que o método científico foi desenvolvido para abarcar um campo bastante específico e limitado de fenômenos, ficando destarte impossibilitado de servir à função para a qual uma certa inclinação niilista (ou, por que não?, ocultista) pretende empurrá-lo; já os últimos, diferentemente, parecem não o saber, ou, com mais freqüência, não querer sabê-lo — daí que hoje vejamos tais grosserias sendo proclamadas sob uma roupagem científica desengonçada.[7]

Neste sentido, é interessante observarmos que o afã dos soviéticos (e dos nazistas, talvez mais disfarçadamente) em opor ciência e Estado à Igreja (resultante, enfim, de uma desordem anímica) tenha desviado por inteiro a finalidade verdadeiramente humana do empreendimento científico e governamental. Como brilhantemente notou Anton Böhm:

 

«[…] É todavia surpreendente o facto das organizações totalitaristas imitarem em muitos traços exteriores certas disposições eclesiásticas. À semelhança destas, possuem um livro cujo conteúdo tem o carácter sagrado de revelação (“O Capital”, “A Minha Luta”); possuem também uma autoridade suprema e única detentora da correcta interpretação doutrinal, que é simultâneamente encarnação da força justa (“o Fürer”, “o Pai dos Povos”); têm igualmente uma única literatura ideológica autorizada, e manuais de doutrina teológica com licença semelhante ao “imprimatur”; têm a festiva excomunhão dos hereges, dos insubmissos, com o consequente auto-de-fé (os processos de depuração); têm um “conclave de cardeais” (o “politburo” ou o “senado do partido” planeado por Hitler) e organismos que se assemelham a ordens religiosas e eclesiásticas (corporações de funcionários do partido, “portadores de insígnias”, SS, MWD); têm festas litúrgicas com um desenvolvido cerimonial do partido (a “festa das colheitas”, a “festa do dia onomástico”, os desfiles do dia do partido em Nuremberga, a parada do 1º de Maio, o culto de Lénine, os monumentos ao Divo César, os ícones de Estáline); igualmente, a adoração de relíquias e as peregrinações (o mausoléu de Lénine, e Hitler projectava construir para si um gigantesco monumento fúnebre); têm o dinamismo missionário e as organizações de propaganda do credo (Kominform, quintas colunas, governos Quisling, SS germânicos, associação dos proletários de todas as nações, integração da raça nórdica no “império germânico da nação alemã”, etc.). A religião do poder, sob o disfarce da crença secularizada na salvação terrena mercê de qualquer “ismo”, reveste-se de blasfemas deturpações das organizações eclesiásticas. Não será fácil descobrir, sob esta simulação arrepiante das instituições da igreja, a marca do grotesco imitador de Deus? Não se denunciarão deste modo os estados totalitários como projectos de criação de uma anti-igreja onde Satã seria adorado como ídolo do poder apóstata?» (cf. SATÃ NO MUNDO ACTUAL, pp. 210-212, Livraria Tavares Martins, 1960)

 

Eis em breves palavras o que há de se esperar de um mundo que, numa negativa cortante e toda ela horizontal, se furta ao amor divino e à ação de uma graça frutificante, derramada do alto e do centro de nosso ser. Tal negativa, apesar de ser um fenômeno a princípio puramente espiritual, hoje se exprime com maior concentração na desmedida importância que o homem atribui à ciência.[8] Após o descortinamento de tantas fragilidades humanas fugidias à percepção desassistida de nossas ciências rasteiras, a empresa governamental vai sendo hoje rapidamente assimilada por uma mundividência cientificista, onde o homem — para usar a parte célebre da frase de Hobbes — é o lobo do homem.[9]

 

* * *

 

Hoje em dia, o mesmo paraíso apregoado pelos ditadores do passado vem em embalagem nova, mas não deixa de ser o velho e requentado engano de sempre. Estamos para ver nascer, num futuro não tão distante, uma forma otimizada de totalitarismo (talvez a definitiva, mas Deus é quem sabe) que se vale dos prodígios tecnológicos para instaurar uma versão horizontal do paraíso prometido por Nosso Senhor Jesus Cristo, em oposição à advertência que repetidas vezes aparece nas Sagradas Escrituras: o homem não se salva pelas próprias obras.

A promessa da vez é que as técnicas unificadas no âmbito biotecnológico nos levarão a uma versão definitiva do novo homem outrora prometido nos sistemas ideológicos do século XX (novy sovetsky chelovek e Übermensch, em russo e em alemão, respectivamente). O homem moderno, como podemos ver, não se contentou com uma mudança de ordem meramente psicológica — fato que talvez chegou ao seu apogeu na conturbada era das ideologias políticas, no século supramencionado —, busca agora, sob o efeito desta mesma mudança, descaracterizar por completo a sua natureza — criada, não custa lembrar, à imagem e semelhança de Deus. A propósito, recordemos a promessa pela qual o processo da degenerescência humana se deu:[10]

 

«A serpente era o mais astuto de todos os animais do campo que o Senhor Deus tinha formado. Ela disse à mulher: “É verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?”. A mulher respondeu-lhe: “Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: ‘Vós não comereis dele, nem o tocareis, para que não morrais’.” “Oh, não! — tornou a serpente — vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses […]”» (Gn 3, 1-5)

 

Curiosamente, alguns proponentes e propugnadores desta “nova” transformação estão associados, consangüineamente, a membros do movimento eugênico nascido pelo sopro de Francis Galton, primo do afamado Charles Darwin — cujas idéias[11] também agregaram ao aval de que necessitariam as elites de então para justificarem os seus atos, ativa e retroativamente.[12] Tal é o caso de “Bill” Gates, por exemplo. Hoje, com a sua fundação (Bill & Melinda Gates Foundation), Bill Gates é o segundo maior financiador da Organização Mundial da Saúde — abaixo somente dos Estados Unidos (!) —, encarniçado defensor do projeto que une a uma nova modalidade de vacinas a pretensiosa arquitetura de uma sociedade completamente controlada, em parte, segundo os prodígios viabilizados pelas novas tecnologias nanométricas, nas pegadas da sociedade idealizada pelo movimento tecnocrata da primeira metade do século XX.[13] Não surpreende saber, portanto, de seus investimentos recentes em companhias como, por exemplo, a Earth Now, a Crown Castle e a Microchips Biotech/Daré Bioscience. Atentemos para o fato de que seu pai, além de ter sido presidente da American Eugenics Society[14] no estado de Louisiana (a despeito das notas emitidas pelo “Ministério da Verdade”[15] internet adentro), esteve à frente da ainda ativa Planned Parenthood, organização que promove o aborto aos — quem lê, entenda — “menos favorecidos” fundada por Margaret Sanger, uma racista inveterada que a utilizava sob a orientação e o impulso de uma mentalidade onde depopulação e “higiene racial” eram imperativos categóricos imprescindíveis para a materialização de uma sociedade saudável, quiçá paradisíaca. Falando em depopulação, Bill Gates, um seu partidário, passou a ser, sem mais nem menos — creia-o quem quer crer —, um filantropo pró-vacinas. Tal é a lógica dos homens de bem destas estações sombrias…

Devemos saber que tais fatos não flutuam livremente no ar. Uma vasta rede tecida ao longo dos últimos séculos se nos apresenta hoje — em algum grau relativamente alto — perscrutável, graças às atividades cada vez menos escrupulosas de seus acólitos. Muitas das organizações e idéias que, num ininterrupto crescendo, vêm moldando a vida contemporânea, foram forjadas nesta rede. Quem se espanta, por exemplo, diante da semelhança patente entre o mundo descrito nas famosas obras Admirável Mundo Novo e 1984, de Aldous S. Huxley e de George Orwell, respectivamente, e o mundo projetado — e parcialmente concretizado — por estas elites (que operam segundo um sem-número de frentes: orgãos legislativos, corporações, fundações, think tanks, universidades, agências de inteligência, ONGs, etc.) é porque ainda não percebeu que ambos os mundos não são exatamente dois, mas um só.

Aldous Huxley, um dos maiores e mais sórdidos arquitetos da chamada revolução psicodélica — junto ao crescente e insaciável deep state americano[16] —, escreveu a referida obra, em parte ocupando-se dos mesmos temas que acabariam recebendo um tratamento literário em What dare I think?, obra de seu irmão Julian S. Huxley — hoje mais comumente conhecido por ter sido o primeiro diretor-geral da UNESCO,[17] onde consolidaria, apesar do pouco tempo em que lá permaneceu, a sua Kulturkampf. Julian Huxley, não por uma fortuita coincidência, foi outro membro proeminente da (British) Eugenics Society, chegando mesmo a presidi-la.[18]

George Orwell, de seu lado, além de ter sido um profundo conhecedor da política de seu tempo,[19] freqüentava, ademais, os mesmos círculos “intelectuais” de um H.G. Wells — ele mesmo um eugenista, educado pelo avô dos irmãos Aldous e Julian,[20] e membro da Fabian Society, de onde provém parte deste projeto político vincado por um internacionalismo sem rosto que hoje vemos vir à baila.[21]

Poderíamos acentuar os aspectos familiares e as relações históricas e fraternais desta rede que hoje tem predomínio em praticamente todos os setores de importância da sociedade — e na qual Bill Gates, a despeito das aparências, não passa de um testa di ferro. Mas, ai!, devemos voltar ao coração da mensagem cristã, onde os poderosos deste mundo, apesar de tudo, devem permanecer na periferia.

 

* * *

 

Para além da esfera material, digamos, dos fatos brutos, onde se lambuzam cegamente os cientificistas, temos que voltar a nos recordar de que vivemos, na verdade, em uma outra esfera: a esfera narrativa, ou, se se preferir, a esfera cultural. Os próprios cientificistas se esquecem deste fato no preciso momento em que começam a narrar — ordenada ou desordenadamente — os fenômenos relativamente passíveis à verificação empírica, ou quando fazem menção às chamadas “leis naturais”, que transcendem forçosamente a materialidade dos fatos. Todos organizamos aqueles “fatos brutos” nessa esfera superior, todos contamos a nós mesmos uma história pela qual procuraremos, num segundo momento, nos orientar — estando conscientes disto ou não.[22] A mentira, ironicamente, não nos deixa mentir neste caso: mentimos porque narramos — e ao mentirmos, violamos a lei norteante do processo narrativo: a harmonia entre o percebido e o narrado.

Há, porém, mentiras que se insinuam no psiquismo humano não por meios vulgares, e não na qualidade de mentiras vulgares. A gênese de algumas idéias absurdas, hoje aceitas pela grande maioria da população “esclarecida”, dá-nos disto testemunhos significativamente eloqüentes. A opinião popular encerrada na fórmula “a mentira tem pernas curtas” não é desacertada se, em contrapartida, analisarmos de que mentira se fala, ou de que tipo de mentira se fala; porque há, com efeito, uma outra espécie de mentira com pernas ciclópicas, capaz de, numa só passada, traspassar séculos, ensombrando gerações e consciências — daí que a maior parte das pessoas a ignore.[23] Por outro lado, ao homem também se lhe revelam verdades por meios extraordinários, na qualidade de verdades extraordinárias, e, semelhantemente às grandes mentiras, essas verdades também são, na proporção inversa, capazes de iluminá-lo. De um e de outro lado, estes «pontos de interferência constituem os momentos fatídicos da história. São pontos nos quais o que é símbolo se torna realidade e o que é realidade se torna símbolo» — para falar, e tão-somente falar como Julius Evola.[24]

Jesus Cristo, a palavra substancial e eterna do Pai, é a expressão plena desta realização, onde símbolo e realidade se uniram numa simetria irretocável a fim de revelar não a maior de todas as verdades, mas o princípio mesmo pelo qual são todas as verdades: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida […]» (Jo, 14, 6)

 

* * *

 

A questão da verdade se impõe ao homem com uma tal força, que é impossível negar-lhe o papel e a influência majestáticos — malgrado todos os artifícios elaborados para abafá-la. A distração crônica[25] — o divertissement de Pascal, hoje hiperintensificado — de que padecemos, embora pareça contrariar este fato, só vem a reforçá-lo. A história, com tudo o que nela há, gira necessariamente em torno da verdade. Mas este giro não é, evidentemente, um giro espacial, capaz de mascarar à desinteligência dos olhos a sua verdadeira face: é um giro cosmológico.[26] Assistimos ao grande drama da história não pelo prisma de um novo humanismo, que rouba à humanidade, em nome da humanidade, o que nela há de mais excelso e nobre — retirando por tabela toda a inteligibilidade natural ao problema que o homem apresenta para si mesmo.[27] Para o cristão, o problema do homem é cósmico — porque radica primeiramente no Céu.[28] Foi lá que, num pioneirismo inglório, uma multitude de anjos optou orgulhosamente pela insurgência à hierarquia natural.[29] E foi de lá que esta insubordinação — já sob fórmula racionalizada — baixou à esfera humana, vetorizada na figura de Adão e Eva.[30] Por toda a humanidade ter estado contida virtual e parcialmente em Adão — nosso pai —, o traço deficiente desta desobediência ser-nos-ia comunicado à força.[31] E em razão deste problema, o homem, como vim pontuando até aqui, ainda persegue o seu elixir da vida, a sua pedra filosofal, embora jamais possa alcançá-lo deste modo:[32] o homem — como assinalei mais atrás — não pode se salvar a si mesmo. Amortecido pelas fantasias hodiernas da razão e da técnica, ele se esqueceu de que, no passado, Deus forjou alianças, estabeleceu preceitos, gerou profetas, comunicou seus símbolos, instaurou seu culto e formou um ethos singular[33] sob a forma de uma nação para finalmente nos outorgar uma solução verdadeiramente eficaz, a única possível.

Apesar de não fornecer os copiosos antecedentes do Natal[34] (sem sombra de dúvida, necessários para uma compreensão mais profunda do Cristianismo), o que se pode depreender de tudo o que eu disse — numa brevidade desconcertante — talvez sirva pelo menos de índice para uma jornada mais objetiva e desembaraçada dos enganos comuns que persistem em se interpor nestes meios. Sob a condição de se terminar com um coração verdadeiramente convertido, tudo é lícito.

 

Feliz Natal!

 

* * *

 

«Nunca, como hoje, quando uma elite de burocratas iluminados remexe a seu belprazer os pilares da civilização como uma tropa de evadidos do hospício brincando de cientistas num laboratório nuclear, foi vital para cada habitante do planeta adquirir uma idéia clara das constantes que definem a condição humana, antes que o desenho mesmo da hominidade, sob o impacto de experimentos deformantes impostos em escala mundial, desapareça da sua lembrança.» (Olavo de Carvalho)

«Só quando separada da sua história e esculpida num esquema abstrato atemporal, mitológico, a ciência pode servir de modelo supremo do conhecimento e fonte principal das certezas válidas. Reinserida na sua história, toda ciência torna-se apenas uma fonte de problemas escondidos sob uma trama de falsas certezas.» (Olavo de Carvalho)

[1] Aproveitando a ocasião: sim, há também aqueles que, mergulhados na completa confusão dos símbolos, fazem do Cristo o diabo e do diabo o Cristo, como o fez, aliás, Charles Manson (talvez por influência da sombria Process Church of the Final Judgment, que freqüentava), cujo nome alcançou notoriedade internacional após ter se achado em associação ao monstruoso assassinato de Sharon Tate, em 1969.

 

[2] Recomendo, em especial, a leitura de TERRA SANTA, EVOCAÇÃO DOS SEUS CAMINHOS, de Leonardo Coimbra, Filho, pp. 32-36, Livraria Tavares Martins, 1967. Faço um pequeno recorte destas belíssimas páginas:

 

«Toda a Antiguidade fornece numerosos testemunhos a sugerir que o mundo estava preparado para receber os Mistérios do Nascimento e Morte redentora do Filho de Deus, da sua Ressurreição e Ascensão e do seu Reinado universal sobre as almas. O mundo social estava amadurecido para a “plenitude dos tempos”, pois o Império Romano significava universalidade e unificação. Tácito é um testemunho histórico da expectativa do mundo seu contemporâneo ao dizer-nos: “Estava-se geralmente persuadido, em razão de antigas profecias, que o Oriente iria tomar a vanguarda, e, dentro em breve, se veriam sair da Judeia aqueles que governariam o Universo” (Hist., V, 23).

 

«Pascal comentará em “Pensées et Opuscules”: “Como é belo ver, pelos olhos da fé, Dario e Ciro, Alexandre, os Romanos, Pompeu e Herodes agirem, sem o saber, para a glória do Evangelho”.»

 

[3] A autoria da fala (traduzida e transcrita por mim) é de Lawrence Krauss, que ecoa, sem o saber, algumas idéias bastante vigentes na cultura völkisch oitocentista (século XIX), a mesma cultura que levaria a Alemanha, décadas mais tarde, ao nacional-socialismo. Krauss é, interessantemente, partícipe da claque “científica” orbitante à figura de Jeffrey Epstein (Epstein, neste pormenor, emulava os atos de Robert Maxwell, pai de Ghislaine, sua “Simone de Beauvoir”) pelos trâmites de John Brockman, arquiteto do The Edge Annual Dinner — igualmente conhecido por seu nome genérico The Billionaire’s Dinner, não sem razão. Lê-se em seu website: «Entre os seus convidados, os líderes intelectuais da terceira cultura se encontram […] na figura dos fundadores das seguintes companhias: Amazon, AOL, eBay, Facebook, Google, Microsoft, PayPal, Space X, Skype, Twitter. Um memorável encontro de mentes excepcionais — as mesmas mentes que estão reescrevendo a nossa cultura a nível mundial.» A enfatizada (por mim) “terceira cultura” é o nome cor-de-rosa que Brockman dá à produção “cultural” destas nuvens sem água.

 

[4] Aqui entraríamos num problema cuja tecnicidade seria, de saída, enfadonha. Seja como for, fica registrada a sua resolução. A “realidade física” não existe tal como o imagina a maior parte dos cientistas. Ela não tem existência em si mesma, por si mesma; ao contrário, ela depende de uma certa projeção da mente humana. Como diz Wolfgang Smith:

«A maçã vermelha — que percebemos — pertence […] ao mundo externo. Ela é um objeto corpóreo, ou seja, ela é perceptível. A “maçã molecular” dos físicos, por outro lado, é desprovida de qualidades sensíveis, o que a faz, conseqüentemente, imperceptível. Trata-se neste caso do que denominei “objeto físico”, em contraposição ao “objeto corpóreo”. Do ponto de vista bifurcacionista [o autor se refere ao infeliz legado de René Descartes, que traz consigo essa confusão aparentemente inextirpável da nossa cultura], contudo, o “objeto físico” é tudo o que existe no mundo externo. O “objeto corpóreo” [aquilo que percebemos diretamente] é, portanto, confundido com o “objeto físico”. A maçã vermelha […] é, com efeito, reduzida ao físico, ou seja, ela é confundida com a “maçã molecular” concebida pelos físicos.» (cf. THE PLAGUE OF SCIENTISTIC BELIEF — a tradução e as ênfases são minhas)

 

Ou seja, a “maçã molecular” concebida pelos físicos não deixa de ser, até certo ponto, uma “idéia” de maçã, na medida em que se esquece a disposição natural das coisas. Encerremos com a brilhante ressalva deste mesmo autor:

«Não estou de modo algum sugerindo que as entidades físicas sejam puro fruto da nossa imaginação. Quero dizer, na verdade, que essas entidades são extraídas da relação com o corpóreo: a “existência primária” [a maçã ou qualquer outra coisa corpórea, que percebemos diretamente, fora as obras propriamente humanas] advém diretamente do ato criativo de Deus, e, portanto, do que Santo Tomás chamava “esse”, o próprio ato de ser.» (cf. A SABEDORIA DA ANTIGA COSMOLOGIA, pp. 190-191, Vide Editorial, ano 2017 — as ênfases são minhas)

 

[5] A propósito, são derivativos deste outro quê a nossa faculdade intelectiva e o nosso senso moral. E se há alguma razão para que existam direitos, ei-la. Ademais, se não há ser identificável na natureza, se todas as coisas não são senão fragmentos de um processo cujo início e, portanto, cujo fim não podemos precisar (como hoje geralmente se aceita inconscientemente, na esteira do cientificismo vigente), não há porque acreditarmos em qualquer coisa à que chamemos verdade. De resto, no paradigma evolucionista, o próprio aparato cognitivo de que nos valemos para ajuizarmos está em constante mutação, logo, nele tudo é, como dir-se-ia no jargão jurídico da antiga Roma, non liquet, isto é, obscuro. Não é por algum acaso que o homem contemporâneo diga “cada um com a sua verdade”, ao mesmo tempo em que segue à risca e de olhos vendados aquilo que é publicado sob a rúbrica da ciência, supostamente livre de qualquer influência extra-científica.

 

[6] O cientificismo é, no fim das contas, o velho positivismo, sobre o qual diz com fina ironia Georges Gusdorf:

 

«O positivismo, o cientismo podem se apresentar como um espiritualismo autêntico, porquanto implicam um ato de fé na validade do conhecimento, a qual é o fruto mais nobre do espírito humano. Ninguém pode negar a verdade, na sua ordem, dos resultados científicos; mas o positivismo envolve neste ponto um equívoco. Se ele se contenta com repetir o que dizem as ciências, não lhes acrescenta nada e, pois, não possui nenhuma significação intrínseca. Mas se o positivismo acrescenta alguma coisa ao ensinamento das ciências, já não é o que pretende ser. Reintroduz subrepticiamente afirmações de valor, que pretendia repudiar. Abuso de confiança característico, porque os resultados obtidos pelos cientistas, devidamente controlados, dizem aquilo que dizem e nada mais. Desde que o positivismo obriga a dizer além do que dizem, torna-se culpado deste mesmo pecado contra o espírito científico que conservava aos partidários da metafísica e da religião.» (cf. CIÊNCIA E PODER, p. 90, Editora Convívio, 1983)

 

[7] Da perspectiva rigorosamente científica, de onde Lawrence Krauss supostamente parte, é no mínimo estranho usar palavras que denotam características pessoais (sacrifício gentileza) quando o sujeito ativo no caso são as estrelas (!).*

 

* Estranho principalmente àqueles minimamente versados no simbolismo cristão (e.g. Ap 12, 4-9).

 

[8] «A idolatria da Ciência cuja canonização dos prêmios Nobel fornece uma expressão privilegiada, corresponde à convicção de que todas as ciências particulares comunicam e comungam num corpo de doutrina unitária, fundamento de um ecumenismo cuja autoridade se impõe a todos os espíritos. É bem verdade que no estado presente das coisas, os saberes particulares, cujo número aumenta sempre, apresentam-se em ordem dispersa; seus respectivos territórios se confundem e se entrelaçam, a menos que não sejam radicalmente distintos, e separados por espaços vazios. Mas pode-se pensar que a unidade do saber, ausente no momento, não tardará a se realizar num próximo dia. Na falta da Ciência unitária pode-se invocar a unidade do espírito científico, em toda parte e sempre o mesmo. Tal é com efeito o preconceito dos campeões da ciência; somente é preciso reconhecer que a catolicidade assim invocada é o produto de um ato de fé. A aposta pela ciência nada tem de científico; certamente é contrária a todos os fatos, a todas as evidências positivas no estado atual do conhecimento.

 

«“A Ciência” não existe; o termo é vazio de sentido preciso, na medida em que personaliza uma noção que não corresponde a nada.» (cf. CIÊNCIA E PODER, de Georges Gusdorf, p. 98, Editora Convívio, 1983 — as ênfases são minhas)

 

[9] Contra o aparente vestígio de abstracionismo contido nesta última linha, calha bem trazer à tona a sábia observação de C.S. Lewis:

 

«“A conquista da Natureza pelo Homem” é uma expressão utilizada habitualmente para descrever o progresso das ciências aplicadas. “O Homem derrotou a Natureza”, disse alguém não faz muito tempo a um amigo meu. Em seu contexto, essas palavras tinham uma certa beleza trágica, pois o sujeito que as pronunciou estava morrendo de tuberculose. “Não importa”, prosseguiu, “sei que sou uma das baixas. É claro que existem baixas do lado dos vencedores e do lado dos perdedores. Mas isso não muda o fato de que o Homem está vencendo.” Escolhi essa história como ponto de partida com o intuito de deixar claro que não desejo menosprezar o que existe de benéfico no processo descrito como “a conquista humana”, e muito menos toda a verdadeira paixão e o sacrifício pessoal que a tornaram possível. Mas, dito isto, devo passar a uma análise um pouco mais atenta dessa concepção. Em que sentido o Homem possui um poder crescente sobre a Natureza?

 

«Consideremos três exemplos típicos: o avião, o rádio e os anticoncepcionais. Numa comunidade civilizada, em tempos pacíficos, qualquer um que tenha dinheiro pode fazer uso dessas três coisas. Mas não se pode dizer estritamente que quem o faz está exercendo seu poder pessoal ou individual sobre a Natureza. Se eu pago para que alguém me leve a algum lugar, não se pode dizer que eu seja um homem que dispõe de poder. Todas e cada uma das três coisas que mencionei podem ser negadas a alguns homens por outros homens — por aqueles que vendem, ou por aqueles que permitem que sejam vendidas, ou por aqueles que possuem os meios de produzi-las, ou por aqueles que as produzem. Aquilo que chamamos de poder do Homem é, na realidade, um poder que alguns homens possuem, e que por sua vez podem ou não delegar ao resto dos homens. Novamente, no que se refere ao poder do avião ou do rádio, o Homem é tanto o paciente ou o objeto como o possuidor de tal poder, uma vez que ele é o alvo tanto das bombas quanto da propaganda. E, quanto aos anticoncepcionais, existe paradoxalmente um sentido negativo no qual todas as possíveis gerações futuras são os pacientes ou objetos de um poder exercido por aqueles que já vivem. Pela contracepção enquanto tal, simplesmente lhes é negada a existência; pela contracepção usada como meio de reprodução seletiva, são obrigados a ser, sem que ninguém os consulte, o que uma geração, por suas próprias razões, vier a escolher. Sob esse ponto de vista, o que chamamos de poder do Homem sobre a Natureza se revela como um poder exercido por alguns homens sobre outros, com a Natureza como instrumento.» (cf. A ABOLIÇÃO DO HOMEM, de C.S. Lewis, pp. 51-53, Martins Fontes, 2017— as ênfases são minhas)

 

[10] É o que, em chave teológica, chamamos de Queda.

 

[11] Na verdade, grande parte das idéias que faziam a cabeça de Charles Darwin eram mais imediatamente provenientes de seu avô, Erasmus Darwin, que provavelmente as absorveu sob o pano de fundo maçônico de seu tempo.

 

[12] Quando uma hipótese é marcada pelo engano, é necessário buscar a sua razão de ser (ou as suas razões de ser) fora de si, instrumentalizando o seu conteúdo com justiça (isto é, na medida correta) a fim de compreendê-la até onde permite a relação dos fatos com a nossa inteligência. Apesar do vício sociologista ascendente desde o Iluminismo, pouco se ouve dizer quanto à relação parcial — mas evidente — que o darwinismo guarda com o contexto sócio-político do Império Britânico.* No mesmo sentido, pouco ou nada se fala da Lebensphilosophie inglesa, em que o Geist alemão dá as caras sob a máscara da seleção natural.

 

* Após ter lido o anglófilo Carroll Quigley (cf. TRAGEDY AND HOPE e THE ANGLO-AMERICAN ESTABLISHMENT), a mim se tornou fato inconteste o de que certos atores tenham catalisado — à sombra do Império Britânico e à retaguarda da Revolução Industrial — o processo pelo qual a hierarquia de Deus seria silenciosamente encoberta e posteriormente sufocada pela hierarquia dos homens. A tendência crescente de fazer da força a “justiça” e do fato a “verdade” parece ter deitado neste contexto longas raízes.

 

[13] Ver, por exemplo, TECHNOCRACY, THE HARD ROAD TO WORLD ORDER, de Patrick M. Wood. Lembremos somente de passagem que Elon Musk, sob cujo nome se faz avançar tecnologias no mínimo inconseqüentes (neuralink, por exemplo, seguido agora de seu recente aceno positivo ao mRNA), é ele próprio neto do tecnocrata Joshua Norman Haldeman. Em adição, Musk é, com as figuras do Vale do Silício, um fellow Burner; em outras palavras, Elon Musk é um transumanista,* como o são — de uma ou de outra maneira, conscientemente ou não — todos os demais freqüentadores do Burning Man, fiéis seguidores da cartilha engendrada sob o já referido paradigma evolucionista.

 

[14] Registro o que vai à primeira orelha do livro A GUERRA CONTRA OS FRACOS, de Edwin Black; autor que contou com «mais de cinqüenta pesquisadores, em quinze cidades, em quatro países, ajudados por equipes de arquivistas e de bibliotecários em mais de cem instituições», que  analisaram «mais de cinqüenta mil documentos»:

 

«No início do século XX, pensadores influentes, cientistas reconhecidos e outros grandes nomes ligados às mais poderosas forças financeiras dos Estados Unidos — entre elas os gigantes do aço e das ferrovias — iniciaram um movimento que pretendiam ser ciência e ao qual chamaram “eugenia”.

 

«O objetivo era criar uma raça única de seres humanos: por meio da procriação seletiva, o mundo passaria a contar apenas com exemplares de uma pretensa raça superior. Essas idéias pseudocentíficas, que surgiram nos Estados Unidos e se estenderam a outros países, incluindo a Alemanha nazista, são desvendadas em detalhes pelo jornalista Edwin Black em A guerra contra os fracos.

 

«Mais de 60.000 norte-americanos foram castrados pelo movimento, que surgiu em 1904, quando um grupo de cientistas e intelectuais conseguiu o apoio e o patrocínio de grandes corporações, como a Fundação Rockefeller e a Carnegie Institution. Em 1927, a eugenia foi sancionada pela Suprema Corte; 27 Estados norte-americanos promulgaram leis que envolviam desde a proibição ou a anulação do casamento dos considerados incapazes até sua esterilização e mesmo a eutanásia.

 

«Cerca de um terço das vítimas sofreu os crimes da eugenia após Nuremberg tê-los declarado crime contra a humanidade. Negros, brancos pobres, mexicanos, judeus, índios, epilépticos, alcólatras, doentes mentais e outros seres humanos distantes do ideal eugenista foram internados e esterelizados ou mortos.»

 

[15] Refiro-me aos chamados fact checkers.

 

[16] Sim, desde a CIA, atravessando os maiores bancos, até o CFR, diversos foram os personagens envolvidos nesta trama hoje facilmente passível de comprovação. Há mesmo os que se gabaram publicamente de fazer parte dela, como o — disse-o ele mesmo — “discípulo de Aleister Crowley”, Timothy Leary, cujas cinzas foram ingeridas (!) pela atriz Susan Sarandon, no… Burning Man.

 

[17] Já que esbarramos na UNESCO, legatária da International Committee on Intellectual Cooperation, notemo-lo de passagem que foi Archibald MacLeish (um bonesman, como todos os outros membros da Skull and Bones, integrante da rede à que faço alusão) quem redigira o preâmbulo de sua constituição, em que lemos: “since wars begin in the minds of men, it is in the minds of men that the defences of peace must be constructed”.* As guerras com as quais os fundadores da UNESCO aparentemente se preocupavam tanto, não se iniciaram, porém, na mente do homem comum; ao contrário, as grandes revoluções e as grandes guerras (e aqui poderíamos citar as duas Grandes Guerras, a Revolução Bolchevique de Lênin e Trótski, a ascenção do Nazismo de Hitler, a ascenção da China de Mao, muitos dos conflitos armados no Médio Oriente e na Ásia, etc.) tiveram início na mente dos homens à cuja classe pertence o próprio MacLeish, pela qual, além de tudo, foram financiadas e viabilizadas para uma consolidação cada vez maior de sua já avantajada posição no tabuleiro planetário. Para um MacLeish, tal fato jamais poderia ter passado em branco. De mais a mais, se olharmos para a natureza das atividades correntes nos serviços de inteligência de então (refiro-me em especial a tudo o que orbitou o infame MK-ULTRA Project, que, com os contornos científicos posteriormente adquiridos, acabaria por se confundir, não por acaso, com as “imparcialíssimas” ciências despontantes no fecundo — embora metafisicamente truncado — âmbito dos estudos cognitivos, progênie dos computadores), dadas em conjunção a pelo menos parte daquilo que Eisenhower chamou de “elite científico-tecnológica” — para não falar da nova orientação emergente no âmbito educacional, onde, também ali, Estado e setor privado formariam um amálgama indiscernível, especialmente sob a escusa da chamada Guerra Fria —, é no mínimo de se desconfiar de que a orientação política da UNESCO, resumida na frase de MacLeish, não seja senão um pretexto para uma intrusão cada vez maior na intimidade psíquica das massas humanas. De resto, tal frase viria a ser incorporada no lema mesmo da World Federation for Mental Health de J. R. Rees, rebento do Tavistock Institute, sobre o qual, invariavelmente, haveria muito o que dizer.

 

* “Desde que as guerras têm origem na mente dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz têm de ser construídas”.

[18] Chamo atenção para o fato de que foi Julian Huxley quem dera início ao transumanismo* (cf. NEW BOTTLES FOR NEW WINES, de Julian Huxley), hoje promovido sob diversos nomes ao amparo da dynamis gerada pelo acolhimento massivo aos demais trans em voga: transgênico, transgênero, transnacional (ou globalismo), transcultural (ou multiculturalismo), etc. (A adoção moderna da transitoriedade — figurada pela esfera sublunar na cosmologia clássica, contraparte da celeste —, ocasionada sobretudo por uma ciência alheia ao ser das coisas segundo o então florescente e cada vez mais próspero naturalismo paralelamente à crescente abjunção do homem em relação a Deus — que, não à toa, é representado diversas vezes nas Sagradas Escrituras pela figura da rocha —, não poderia ter outro fim. Seja como for, este fim, visto de um ângulo mais excelente, não deixa de se constituir em trânsito para o verdadeiro fim, sabem-no bem os fiéis cristãos — ei-lo o sopro subsistente de um C.S. Lewis em A ABOLIÇÃO DO HOMEM para prová-lo.) Com o transumanismo congemina, naturalmente, toda uma agenda pela qual se persegue um rearranjo civilizatório completo, hoje vendido nas propagandas de uma “Fourth Industrial Revolution” e de suas congêneres: “Human Augmentation”, “Augmented Reality”, “Build Back Better”, “Great Reset”, “2030 Agenda”, etc. Em suma, grande parte do que se propaga sob estes estandartes coloridos, especialmente a pretexto da — abre aspas — pandemia — fecha aspas — atual, tem por finalidade mais imediata integrar o homem à máquina, ou seja, reduzir literalmente a grande massa da humanidade a um dispositivo perfeitamente controlável, assimilável ao futuro universo digital: o metaverso, segundo a novilíngua corrente, na extrapolação do sonho cibernético. É por esta razão que, por outro lado, os membros do Galton Institute (a velha British Eugenics Society em roupas novas desde 1989), hoje à sombra de um oligopólio fraternal e pluriforme (Big Pharma, Big Tech, Big Media, etc., me valendo da linguagem pragmática dos norte-americanos), estão ativamente envolvidos com a promoção das tecnologias emergentes no âmbito microbiológico para fins supostamente sanitários, tais como as “vacinas” mRNA,** atualmente usadas pela Pfizer e pela Moderna, por exemplo, e o talvez mais digno de atenção CRISPR.

 

* Não que o transumanismo já não estivesse logicamente dado no próprio evolucionismo.

 

** Nas palavras de Elon Musk: «[…] you can basically do anything with synthetic RNA, it’s like a computer program» («basicamente, você pode fazer qualquer coisa com o RNA sintético; ele é como um programa de computador»). (cf. AXEL SPRINGER AWARD, 01/12/2020)

 

[19] É no mínimo curioso que em 1984, George Orwell tenha fatiado o mundo em três partes: (1) Oceania, (2) Eurásia e (3) Lestásia, cujos líderes, numa engenhosíssima inversão da famosa fórmula “dividir para conquistar”, dividiam-se para conquistar. A razão desta curiosidade reside no fato de que Carroll Quigley, conhecido como um dos maiores whistle blowers de um passado recente, tenha dito que a poderosa — chamemo-la assim — Rhodes/Milner’s Society planejava criar uma administração planetária assentada sobre três poderes («a three power world»), nomeadamente, a (1) Alemanha nazista de Hitler, a (2) Rússia vermelha de Stálin e o (3) “Bloco Atlântico” (a Commonwealth e os Estados Unidos).

 

[20] Thomas H. Huxley, conhecido à época como “Darwin’s bulldog” por ter sido um ferrenho defensor do darwinismo.

 

[21] Há outros membros da Fabian Society de que valeria a pena falar, mas fiquemos apenas com um outro nome, o do intragável George Bernard Shaw, que, como Francis Galton, queria fazer da eugenia a — em suas próprias palavras — religião do futuro (cf. A GUERRA CONTRA OS FRACOS, de Edwin Black, pp. 78-79, A Girafa, 2003). Ao traduzir e transcrever abaixo uma de suas falas, presente em um ótimo vídeo-documentário sobre a União Soviética (cuja indústria, vale dizer, foi quase toda edificada com o generosíssimo auxílio do establishment anglo-americano, contrariamente à narrativa propagada oficial e extra-oficialmente — cf. WALL STREET AND THE BOLSHEVIK REVOLUTION, de Antony C. Sutton), espero pôr a claro o ethos manifestamente demoníaco partilhado invariavelmente pelos membros da rede à que amiúde aludi explícita e implicitamente:

 

«Eu me oponho terminantemente à punição. Não quero punir ninguém — embora haja um grande número de pessoas que eu quereria assassinar. Não de maneira cruel ou por uma questão pessoal. É mister vos esclarecer isto: todos devem conhecer aquela meia dúzia de pessoas inúteis neste mundo cujos problemas excedem o seu valor pessoal. Me parece uma boa idéia fazer com que todos compareçam ante um conselho apropriadamente estabelecido […], para, digamos, a cada cinco ou sete anos, serem confrontados gentilmente com a seguinte questão: “Você poderia justificar a sua existência?” Se esta pessoa não é capaz de justificar a sua existência, se ela está comprometendo o mecanismo social, se ela não está produzindo tanto quanto consome, então não podemos, evidentemente, continuar usando a máquina social para mantê-la viva, já que a sua vida não nos beneficia, nem a nós mesmos nem a ela mesma.» (cf. THE SOVIET STORY, de Edvīns Šnore)

 

[22] Essa história, contudo, terá sempre em seu extremo uma feição mitológica — geralmente rarefeita, nos dias de hoje.* Em outras palavras, nas raias de toda e qualquer narrativa humana, encontrar-se-á a figura bem ou mal-acabada de um mito. Vistos desta perspectiva, aliás, os efeitos deletérios da mentira se nos apresentam mais destituídos dos ornamentos e penduricalhos projetados pela indiferença viciosa à qual infelizmente nos conformamos.

 

* Uso a palavra “rarefeito” justamente porque o homem contemporâneo se tornou, de modo geral, intelectualmente insensível para tudo aquilo que foge ao domínio do puramente imediato. Digo “intelectualmente insensível” porque, apesar de tudo, a condição de criatura de Deus lhe é inextirpável, daí que as ideologias, os filmes, as histórias, em suma, as narrativas, exerçam sobre si desproporcionada fascinação.

 

[23] Quando o cristão se refere ao diabo ou aos demônios, ele não o faz os associando à qualquer sorte de mentira. São precisamente as grandes mentiras ou as idéias pelas quais se encastelam as tendências desviantes do espírito humano — mormente sob pretextos “humanitários” e “racionais” —, as que associamos à figura do diabo, já que, segundo a nossa crença (por razões que não cabe expor aqui), ele assiste a humanidade com entranhado desprezo e age incessantemente com vistas à sua perdição. Se se deseja um exemplo de uma tal mentira, poderíamos citar, entre diversos enganos, o já referido bifurcacionismo cartesiano, ocasionado não por um legítimo exame consciencioso dos fatos, mas por uma influência manifestamente demoníaca, o gênio mal de que falava o próprio René Descartes.

 

[24] Quanto à razão de não podermos aplicar aqui o sentido que Julius Evola dá à sua própria frase, ver, por exemplo, o seu O MISTÉRIO DO GRAAL, p. 15, Pensamento, 1993.

 

[25] Recomendo a leitura de O DEMÔNIO DA DISTRAÇÃO, de Wolfgang Smith.

 

[26] Similarmente, as mariposas buscam na luz de uma lâmpada a orientação que só lhes pode ser fornecida pela luz lunar. Nossos olhos, apesar de nos permitirem vê-las se debatendo trágica e fatalmente sobre a sua superfície, são impotentes para fornecer a razão disto. Assim, não nos deixemos confundir com as muitas sortes de giro no mundo. Quem tem olhos de ver, veja.

 

[27] Lembrei-me das oportunas palavras de Soljenítsin, que ilustram verdadeiramente um pequeno fragmento deste problema: «A linha que separa o bem do mal atravessa o coração de todas as pessoas… Essa linha é móvel, oscila dentro de nós com o passar dos anos. Mesmo num coração dominado pelo mal, ela deixa sempre um pequeno espaço do bem. E mesmo no coração mais generoso há um inextirpável cantinho de mal».

 

[28] “Céu”, na ótica cristã, pode ter mais de um significado. Além do comum, de qualidade espacial, há o de qualidade espiritual. Para ilustrar essa noção, eis uma analogia: as idéias que se movimentam na mente humana, não se movimentam em termos espaciais, apesar de guardarem com o movimento espacial alguma correspondência que não sabemos precisar bem.

 

[29] A idéia de um bem fragmentado e manipulável, apartado de sua verdadeira fonte, se encontrava então na sua primeira infância. Não é por outra razão que chamamos ao diabo o pai da mentira.

 

[30] Para o bem ou para o mal, a noção de verdade, primeiramente instrumentalizada pelos anjos, serviria agora ao arbítrio humano.

 

[31] Quanto à idéia de pecado original, cito as sábias palavras de Pascal (cf. PENSAMENTOS p. 48, Martins Fontes, 2005): «Coisa espantosa, entretanto, é que o mistério mais distante do nosso conhecimento, que é o da transmissão do pecado, seja algo sem o que não podemos ter nenhum conhecimento de nós mesmos. Pois não há dúvida de que nada existe que choque mais a nossa razão do que dizer que o pecado do primeiro homem tenha tornado culpados aqueles que, estando tão afastados dessa origem, parecem incapazes de dele participar. Tal decorrência não nos parece apenas impossível. Parece-nos mesmo muito injusta, pois existe acaso algo mais contrário às regras da nossa miserável justiça do que condenar eternamente uma criança incapaz de vontade por causa de um pecado de que parece ter participado tão pouco, cometido que foi seis mil anos antes que ela viesse a ser. Nada por certo nos choca mais rudemente do que essa doutrina. E no entanto, sem esse mistério, o mais incompreensível de todos, somos incompreensíveis a nós mesmos. O enredamento de nossa condição assume as suas implicações e formas nesse abismo. De maneira que o homem é mais inconcebível sem esse mistério do que esse mistério é inconcebível para o homem.»

 

[32] Estabeleçamos este paralelo: «Desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque Cristo é o fim da Lei, para justificar todo aquele que crê. Ora, Moisés escreve da justiça que vem da Lei: O homem que a praticar viverá por ela (Lv 18,5). Mas a justiça que vem da fé diz assim: “Não digas em teu coração: ‘Quem subirá ao céu?’. Isto é, para trazer do alto o Cristo; ou: ‘Quem descerá ao abismo?’. Isto é, para fazer voltar Cristo dentre os mortos”. Que diz ela, afinal? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração (Dt 30,14). Essa é a palavra da fé, que pregamos. Portanto, se com tua boca confessares que Jesus é o Senhor, e se em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. É crendo de coração que se obtém a justiça, e é professando com palavras que se chega à salvação. A Escritura diz: Todo o que nele crer não será confundido (Is 28,16).» (Rm 10, 3-11)

 

[33] Grande parte da nossa herança cultural proveio daí. Não obstante todos os esforços em contrário, há disto exemplos bastante palpáveis em todo o mundo. Apesar de a Bíblia ser o foco da obra cujo trecho passo a citar, uma parcela deste fato pode ser elucidado nas seguintes palavras:

 

«UM PREFÁCIO À BÍBLIA HEBRAICA

 

«Aquilo que tendes na mão não é um livro. É o livro. É isso, evidentemente, o que “Bíblia” quer dizer. É ela o livro que, e não apenas para a humanidade ocidental, define o conceito de um texto. Todos os nossos outros livros, por muito diferentes que sejam no tema ou no método, se relacionam, ainda que indirectamente, com este livro dos livros. Relacionam-se com os factos do discurso articulado, do texto ao leitor, à confiança nos significados lexicais, gramaticais e semânticos, que a Bíblia origina e desenvolve, a um nível e com uma prodigalidade nunca superados. Todos os outros livros, sejam eles histórias, narrativas do imaginário, códigos civis, tratados morais, poemas líricos, diálogos dramáticos, meditações teológico-filosóficas, são como centelhas, muitas vezes, obviamente, distantes, lançadas pelo sopro incessante de um fogo central. No Ocidente, mas também em outras partes do planeta para onde o “Livro Bom” foi levado, a Bíblia informa abundantemente acerca da nossa identidade histórica e social. Ela dá à consciência os instrumentos, frequentemente implícitos, da memória e da citação. Até aos tempos modernos, esses instrumentos estavam tão profundamente gravados nas nossas mentalidades, até mesmo, ou talvez principalmente, entre os não e os pré-literatos, que a referência bíblica actuava como uma auto-referência, como um passaporte na viagem até ao interior do nosso ser. As Escrituras eram (para muitos ainda o são) uma presença em acção, tanto universal como individual, geralmente partilhada e da maior reserva. Nenhum outro livro é como ela; todos os outros livros são habitados pelo murmúrio dessa fonte distante (hoje, os astrofísicos falam do “ruído de fundo” da criação).

 

«[…] A filologia e a linguística comparativa e o estudo da gramática e da retórica evoluíram em torno de um foco bíblico. Os conceitos ocidentais de história e historiografia nascem da organização do tempo e dos factos na narrativa bíblica, e opõe-se-lhe. A teoria política medieval, tal como a renascentista e a do século XVII, procura os seus alicerces ou tenta emancipar-se dos princípios teocráticos de modelos sucessivos de governo apresentados no Antigo Testamento. Durante séculos, a jurisprudência lutou com o problema de uma possível concordância entre os critérios de Moisés e de São Paulo em relação à lei e os critérios do modelo romano e da “lei natural”.

 

«[…] Desde o século XIX, mas num grau sempre crescente, a arqueologia bíblica começou a influenciar quase todos os aspectos da compreensão, da interpretação e da tradução. O Antigo Testamento é tão vasto como as estrelas; mas é também tão ligado à terra e tão localizado como o mapa pormenorizado de uma região. Levem-no na mão e ele guiar-vos-á, centímetro a centímetro, até o campo de Gilboa, até ao moinho em Shiloh, ou até àquele outeiro sobre o sol imóvel, em Ajalon. Escavem com uma pá o solo ressequido, seja no vazio aparente do Negev ou nos movimentados montes da Galileia, e o passado bíblico cai-vos em cima. A arqueologia de Jericó faz-nos recuar seis milénios ou mais; as “cidades da planície”, sobre as quais Deus descarregou o seu descontamento, já receberam “uma habitação local e um nome”; as muralhas através das quais os exércitos de Senaqueribe conquistaram o reino de Judá estão sendo postas a descoberto.» (cf. A BÍBLIA HEBRAICA E A DIVISÃO ENTRE JUDEUS E CRISTÃOS, de George Steiner, pp. 9-10 e 12-13, Relógio D’ Água, 1996)

 

Finalmente, gostaria de acrescentar este fato: para o desgosto dos “laicíssimos” alardeadores dos chamados direitos humanos (hoje — atenção — no seu fatídico ocaso*), a idéia mesma de dignidade humana não existiria sem o Cristianismo. Passados especialmente o chamado Iluminismo e a Revolução Francesa, muito há que se foi arrancado de suas verdadeiras origens para, também aí, poder ser mais bem manejado.**

 

* Consoante o preceito sagrado: «[…] mas ao que não tem, será tirado até mesmo o que tem.» (Mt 13, 12) Não obstante ilusório na essência, o triunfo do transumanismo acarretará a supressão completa dos “direitos humanos”. Quem viver verá.

 

** Consoante outro preceito sagrado: «Não se colhem figos dos espi­nheiros, nem se apanham uvas dos abrolhos.» (Lc 6, 44)

 

[34] Refiro-me, evidentemente, ao nascimento do Salvador.

 

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Kelvin Yogi

Kelvin Yogi reside e trabalha em Santos/SP