A capacidade de concentração dos filósofos
Por Renan Martins dos Santos
Um atributo aparentemente comum a todos os grandes pensadores é a capacidade de concentração. Em Sócrates, ela era quase sobre-humana, a julgar pelos relatos deixados no “Banquete”. Em plena guerra, em algum intervalo da batalha de Potidéia, conta-se que o filósofo foi capaz de passar um dia inteiro em meditação, “recolhendo-se em suas intuições” (συνεννοήσας).
Também dizem as biógrafas do Mário Ferreira dos Santos que, conhecedor das técnicas jesuíticas de meditação, o filósofo brasileiro tinha o poder de alçar grandes vôos em meio às atividades mais prosaicas, até turbulentas, como, por exemplo, os almoços em família. Enquanto alguém passava adiante o saleiro e conversas banais se entrecruzavam sobre a mesa, lá estava o Mário profundamente compenetrado, em diálogo íntimo com Aristóteles, Platão, São Boaventura e sabe-se lá mais quem.
Creio ter testemunhado em primeira mão um fenômeno similar quando estive na Virginia. Das tantas impressões que me ficaram daquela viagem, acho que nada me marcou mais do que a capacidade de concentração e recolhimento do prof. Olavo. É algo sutil, talvez captável apenas por quem, interessado no assunto como eu, procure ativamente os indícios em sinais exteriores, sinais que à primeira vista podem parecer banais. Porém, falo do que vi. E o que vi talvez ajude a explicar outros fatos inusitados, como a erudição monstruosa de alguém que teve, não só 8 filhos e 18 netos, mas uma vida tão agitada e cheia de percalços.
O que testemunhei foi um fenômeno escalar e progressivo. Ainda na igreja, Olavo se mostrava com aquele espírito sangüíneo, jovial, sociável, como se fosse fácil decifrá-lo. Era a figura do “bom velhinho”, atestável por 100% dos alunos que o visitaram na Virginia. Mas isso mudaria.
Saímos da igreja e rumamos à casa do professor. Faltavam cerca de duas horas para a próxima aula do COF. Foi decidido que, no caminho, faríamos uma breve parada num fast-food, para cada um levar o seu lanche. Acabou sendo a chance de eu já testemunhar uma mudança que deixou meu espírito em alerta. Quando desci do carro no estacionamento e me dirigi à minivan dos Carvalho, Roxane e os demais passageiros desembarcaram em direção ao restaurante. Exceto um. No banco do carona, ali ficou o prof. Olavo, solitário, em silêncio, habitando um mundo à parte.
Minutos depois, chegando à conhecida biblioteca, instalei-me em posição privilegiada, numa cadeira junto à quina da escrivaninha. As pessoas ainda jogavam conversa fora à nossa volta, porém tudo o que eu queria era estar ali, testemunhando aquele fenômeno de perto. A profunda concentração do Olavo me arrastava consigo; eu queria imitá-lo em alguma medida, navegar naquelas mesmas águas, enquanto meu corpo, indomável, se refestelava no lanche que tinha sobre o colo. Troquei algumas palavras com a Leilah, sentada à direita, mas minha atenção estava toda concentrada no timoneiro atrás da escrivaninha.
Cada vez mais absorto, seu semblante como que se enrijecera. Estava sério. Mal respondia a perguntas e observações que lhe eram feitas. Era até difícil conciliar aquele homem grave e silente com o velhinho pacato e risonho da igreja, de poucas horas antes.
Olavo comportava-se como um pugilista que se concentra antes da luta. Quando se iniciava a transmissão do COF, não eram simples palavras atiradas ao vento, mas reflexões sopesadas por horas na balança de sua alma.
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Detalhes do autor
Renan Martins dos Santos
Editor na Editora Concreta e Minha Biblioteca Católica, dois empreendimentos nascidos das inúmeras sementes plantadas pelo professor Olavo de Carvalho no castigado solo brasileiro. Que ele possa, agora na presença do Senhor, da Virgem Maria e do seu amado Padre Pio de Pietrelcina, seguir intercedendo pelo nosso futuro.
Que maravilha!
Ótimo texto.
Muito obrigado!
Fica com Deus e Nossa Senhora!