A Beleza da Forma Literária
Este texto é um trecho do livro O Sentimento da Beleza
As formas de composição em verso e em prosa praticadas em cada língua são organizações adicionais de palavras, e possuem valores formais. A mais rigorosa destas formas e a que foi levada à máxima perfeição é o drama; mas a investigação da natureza desses efeitos é algo que diz respeito à retórica e à poética, e o princípio que está na base deles já indicamos aqui suficientemente. O enredo, que Aristóteles afirma ser, e com muita justiça, o mais importante elemento dos efeitos de um drama, é o elemento formal do drama enquanto tal: o ethos e os sentimentos são a expressão; e a versificação, a música e o palco são os materiais. Está em harmonia com a tendência romântica dos tempos modernos o fato de que os dramaturgos modernos – tanto Shakespeare como Molière, Calderón e os outros – se notabilizam pelo ethos e não pelo enredo; porque é a característica evidente do gênio moderno estudar e apreciar a expressão – a sugestão daquilo que não nos é dado – ao invés da forma, a harmonia daquilo que nos é dado.
O ethos é interessante sobretudo por causa das observações pessoais que sintetiza e revela, ou por causa da atração que exerce sobre a experiência real ou imaginária de qualquer indivíduo; ele pinta um retrato, e salvaguarda alguma coisa que amamos independentemente do encanto que neste momento e neste lugar exerça sobre nós. O que ele faz é atrair o nosso afeto, e não criá-lo. Mas o enredo é a síntese das ações, e é uma reprodução daquelas experiências das quais a nossa noção dos homens e das coisas originalmente deriva; porque não se pode observar uma personagem no mundo, exceto quando manifestada na ação.
Com efeito, seria mais fundamentalmente exato dizer que uma personagem é um símbolo e uma abreviação mental de um conjunto particular de atos, do que dizer que os atos são uma manifestação da personagem, porque os atos são os dados, e a personagem é o princípio inferido, e um princípio, apesar do seu nome, nunca é mais do que uma descrição a posteriori, e um resumo do que está subsumido nele. Ademais, o enredo é o que proporciona à peça a sua individualidade, e exercita a invenção; é, como Aristóteles novamente nos diz, a parte mais difícil da arte dramática, e aquela para a qual a prática e a educação são mais indispensáveis. E este enredo, uma vez que por sua natureza oferece uma imagem da experiência humana, envolve e sugere o ethos dos seus atores.
O que os grandes criadores de personagens, como Shakespeare, fazem é simplesmente elaborar e desenvolver (talvez muito além das necessidades do enredo) a sugestão de individualidade humana que o enredo contém. É como se, uma vez extraído da observação diária algum conhecimento sobre os temperamentos dos nossos amigos, representássemo-los dizendo e fazendo toda sorte de coisas que lhes são mais características, e revelando em um solilóquio ocasional, ainda mais claramente do que por meio de qualquer ação possível, aquele personagem que a observação do comportamento deles nos levou a lhes atribuir. Esta é uma invenção engenhosa e fascinante, e nos deleita com a clara descoberta de uma personalidade oculta; mas o desenvolvimento sério e uniforme de um enredo tem um valor mais estável na sua maior semelhança com a vida, que nos permite ver o espírito de outros homens através dos eventos, e não os eventos através do espírito de outros homens.
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Detalhes do autor
George Santayana
George Santayana, pseudônimo de Jorge Agustín Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás (Madri, 16 de dezembro de 1863 — Roma, 26 de setembro de 1952), foi um filósofo, poeta, humanista. Nascido na Espanha, foi criado e educado nos Estados Unidos, porém sempre também manteve seu passaporte espanhol. Santayana, que se identificava como norte-americano, escreveu sua obra em inglês e é geralmente considerado parte da intelectualidade daquele país. Aos quarenta e oito anos de idade, deixou seu posto em Harvard e retornou à Europa permanentemente.