22 Dicas de Escrita de Stephen King
Por Douglas Lobo
O escritor Stephen King dá várias dicas de escrita em seu livro On Writing (2000). Mas há nuances no seu método criativo dele, detalhadas em várias entrevistas ao longo de sua carreira. Alguns ensaios sobre sua obra também elucidam as técnicas por trás do texto.
Interessado em conhecer a fundo o modo de escrita de King, li duas coletâneas de entrevistas dele e dois livros com análises de sua obra. Extraí algumas dicas, que compartilho:
- O escritor deve ter uma rotina e alterá-la o mínimo possível.
No caso de King, a rotina é trabalhar de manhã em material inédito e à noite na revisão de rascunhos. À tarde ele lê livros (a maioria de ficção.)
- O escritor deve dominar os fundamentos da arte literária: estilística, gramática e as técnicas de ficção.
Esses fundamentos, diz King, constituem a “caixa de ferramentas” do autor.
- Escrever sem esboço de trama; usar os instintos; deixar que os personagens criem a história, a partir da situação.
Ponto famoso de King, conhecido por rejeitar o planejamento prévio da história; para ele, se o escritor não sabe para aonde a história vai, o leitor menos ainda e portanto o suspense fica mais eficaz.
- Escrever o mais rápido possível, deixar à parte, escrever outro projeto, pô-lo de lado, voltar para o primeiro, reservá-lo, começar outro etc. Transitar entre várias histórias, em várias fases de desenvolvimento.
Método pouco conhecido do trabalho de King (e não mencionado em On Writing.) A famosa rapidez de publicação do autor não ocorre por meio de uma linha de produção, mas de uma intercalação de projetos, dos quais só os mais maduros são publicados (em alguns casos após anos de escrita.)
Tratei especificamente desse “sistema”, digamos assim, neste vídeo.
- Quando tiver ideia para uma história, remoê-la, deixá-la amadurecer, até se cristalizar; só começar a escrevê-la após ter estabelecido a situação (“e se..?”) e a cena de abertura.
King não anota ideias. Segundo ele, as melhores histórias são aquelas que “assombram” o escritor e só devem ser escritas após longa maturação.
- Fazer uma pesquisa preliminar antes de começar a escrever; deixar o estudo aprofundado para depois do primeiro rascunho.
Deixar a pesquisa detalhada para depois do primeiro rascunho livra o autor de gastar muito tempo coletando informações que talvez ao fim não sejam úteis.
- No caso de contos, visualizá-los por completo na cabeça, antes de começar a escrever.
Esse é o único ponto em que King propõe a um esboço completo da história, antes de escrevê-la (importante registrar que ele menciona isso quando ideias de contos lhe surgem na cabeça e ele não tem tempo de escrevê-las, porque dedicado a um romance.)
- Mais importante que a aparência física dos personagens, são a motivação e os sentimentos deles.
King sempre descreve sucintamente a aparência de seus personagens; para ele isso não é relevante. Além disso, acrescenta, o leitor tende a colocar por conta própria um rosto nos personagens.
- Não é preciso criar os personagens antes; se a situação e a história forem adequadas, eles surgirão.
Não é preciso saber detalhes dos personagens (história pregressa, hobbies etc.) antes de escrever a história; se esta for boa, aqueles emergirão, de modo apropriado.
- Utilizar as estruturas das lendas, mitos e contos de fada.
Aspecto pouco conhecido da obra de King: muitas de suas histórias usam as estruturas das narrativas primordiais (orais a princípio e depois registradas em livro.)
- Usar nas histórias elementos tirados da cultura de massa.
Todo leitor de King sabe que ele dialoga com a cultura de massa — seja por menções a filmes, livros, canções etc., seja por personagens que remetem a tipos e arquétipos explorados na indústria cultural.
- Após a ideia inicial, visualizar dois momentos moralmente contrastantes na história — criar assim um dilema moral e situar nele o protagonista (e o leitor.)
Um dos aspectos mais conhecidos da obra de King. Trata-se de dar um “nó” na cabeça do leitor, mostrar a ele que o mundo é em tom de cinzas, não preto no branco.
- Resolver os problemas (de tema, trama etc.) à medida que escreve e confiar nos instintos para julgar os resultados.
Todo escritor esbarra com problemas ao longo da história. Em vez de interromper o processo para encontrar a solução, King defende que o autor descubra a solução no momento mesmo da escrita.
- Escrever romances longos (mas não prolixos.)
A partir de seu segundo romance, a maior parte dos livros de King passaram a ter mais de 500 páginas. Segundo ele, ao pegar um livro volumoso, o leitor sente que o autor dedicou tempo a lhe oferecer algo.
- As histórias estão fora do escritor; ele só precisa encontrá-las, pela escrita.
Essa ideia é exposta no On Writing: histórias são fósseis e o escritor só tem de encontrá-las.
- Desenvolver e explorar a realidade social em que se passam as histórias.
Influenciado pelos escritores naturalistas, King entende que nenhuma história ocorre no vácuo. Há o passado dos personagens, a profissão, a vizinhança… Não se trata de fazer “romance social”, mas ambientar as histórias em uma realidade específica.
- Em uma história de terror, o conflito central deve refletir um medo real, ou seja, não deve ser o medo do sobrenatural (este deve ser um reflexo daquele.)
Para muitos, esse é o segredo do impacto das histórias de Stephen King. O medo do sobrenatural é fugidio, porque depende de “suspensão da descrença”; já os medos reais tendem a ressoar com o leitor, mesmo após o fim do livro.
- Evitar linguagem poética: usar verbos de ação e palavras que criem as sensações desejadas.
King adota um estilo ativo, com verbos de ação (embora às vezes use palavras expressivas para criar efeitos no leitor e construir atmosfera.)
- A história deve comandar todas as decisões do escritor, inclusive a dos recursos técnicos a usar.
Como autor, Stephen King escolhe as ferramentas que melhor se adequem à história.
- Embora o escritor deva se preocupar predominantemente com a história, ele jamais deve se descuidar do estilo; este deve ser capaz de por si só conduzir o leitor.
King se considera um contador de histórias, mais do que um escritor: ele sacrifica o preciosismo e a beleza do estilo, se a história exigir; isso não significa no entanto descuido do estilo, que deve ser vivo, interessante e eficaz.
- Ao escrever, sempre pensar no efeito a causar no leitor e ajustar o estilo para isso.
King assume em entrevistas: ele busca provocar efeitos no leitor.
- Respeitar a lógica imposta pela história.
King deixa a história fluir rumo a seu desenlace natural, sem manipulá-la.
Livros consultados:
Underwood, Tim; Miller, Chuck. Bare Bones: Conversations with Stephen King. New York: Warner Books, 1989.
Underwood, Tim; Miller, Chuck. Feast of Fear: Conversations with Stephen King. New York: Warner Books, 1993.
Underwood, Tim; Miller, Chuck. Fear Itself: The Horror Fiction of Stephen King. New York: Plume, 1984.
Winter, Douglas E. Stephen King: The Art of Darkness. New York: Signet, 1986.
Detalhes do autor
Douglas Lobo
Douglas Lobo é romancista, jornalista, dramaturgo e ator teatral.
Nasceu no interior do Piauí em 1977. É autor do romance “Areia Movediça” (Danúbio, 2021).
Reside e trabalha em Fortaleza (CE)